terça-feira, 2 de março de 2010

Lançamento do livro “Olhar Crítico – 50 Anos de cinema brasileiro”

Com alguma modéstia, Ely Azeredo apresenta-se ao leitor que não o conhece como o crítico de cinema que atuou em diários de circulação nacional pelo mais longo período de tempo no Brasil. Foram 50 anos de reflexão, divididos especialmente com os leitores de “Tribuna da Imprensa”, “Jornal do Brasil” e “O Globo”.
Ao lançar, nesta terça-feira, 2 de março, “Olhar Crítico” (Instituto Moreira Salles, 416 págs., R$ 54), Azeredo oferece uma súmula de sua produção – 98 textos que deixam claro que o tamanho de sua contribuição não se mede apenas pelo tempo de prática, mas pelo que ensina sobre o ofício ao qual dedicou sua carreira.

Azeredo teve atuação notável num dos períodos mais ricos da produção e discussão cinematográfica no Brasil, o da eclosão do Cinema Novo, no final da década de 50. Como se deu na França, com a Nouvelle Vague, o Cinema Novo promoveu a entrada em cena não apenas de uma nova geração de cineastas, mas também de críticos, que apoiaram o movimento com entusiasmo.

De uma geração anterior, em atividade desde o final da década de 40, Azeredo viu com simpatia a onda de renovação provocada pela geração de Glauber Rocha, a ponto de, em 1961, batizar o movimento com o rótulo (Cinema Novo) que ficou para a história, mas logo entrou em atrito com os cineastas e críticos “alinhados”.

  • Divulgação

    Dina Sfat e Grande Otelo em cena do filme "Macunaíma", do diretor Joaquim Pedro de Andrade

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    Lázaro Ramos recebeu elogios do crítico por sua atuação em ''Madame Satã''

Os textos de Azeredo sobre filmes do Cinema Novo incluídos na coletânea expõem a luta de um crítico independente, analisando obras no calor da hora e sob pressão dos próprios cineastas e de seus aliados.

Azeredo elogia “Barravento” e aprecia “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber, embora sublinhe: “Sem ser o maior filme até hoje produzido neste planeta, como querem alguns exagerados”. Gosta de “Garrincha, Alegria do Povo” e extasia-se com “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade, mas não poupa críticas a “Terra em Transe”, de Glauber, e a “Porto das Caixas”, de Paulo Cesar Saraceni, entre outros.

Na introdução do livro, Azeredo lembra uma observação do cineasta Cacá Diegues, para quem o Cinema Novo foi, entre outras coisas, “um partido”. Questionado pelo UOL sobre o assunto, o crítico observa que o núcleo central do Cinema Novo, formado por Glauber, Cacá, Joaquim Pedro, Leon Hirszman e Gustavo Dahl, “desejava uma crítica ‘alinhada’ com as diretrizes do movimento”. Conta Azeredo:

“Restrições a qualquer filme cinemanovista eram consideradas ‘alienação’, submissão ao colonialismo cultural etc. Quando me desliguei da ‘militância’ no Cinema Novo e critiquei alguns filmes frustrados, Glauber me pediu pessoalmente que parasse de ‘atacar o Cinema Novo’. Meus artigos na ‘Tribuna da Imprensa’, segundo ele, estariam criando dificuldades para a liberação de empréstimo no Banco Nacional para a produção de "Deus e o Diabo na Terra do Sol". Ora, como um crítico pode se pautar pelas expectativas bancárias de produtores?”

Azeredo lembra de outros três problemas que afetaram o trabalho dos críticos de cinema durante o período. Em primeiro lugar, a militância cinemanovista via com restrições a produção de cineastas não alinhados ao movimento, independente da qualidade dela.

“Nunca aceitei tentativas de terrorismo contra os cineastas ‘não cinemanovistas’. Aqui, como ocorreu na França com o grupo (da revista) ‘Cahiers du Cinéma’ da Nouvelle Vague ao negar aptidão profissional a (Henri-Georges) Clouzot, (Claude) Autant-Lara e outros, houve tentativas de enxovalhar a reputação profissional dos não alinhados”, diz o crítico.

Em segundo lugar, lembra Azeredo, a defesa intransigente do Cinema Novo levou a militância a defender filmes de pouca qualidade. “Alguns ‘novos’ eram louvados pelos cinemanovistas, apesar de sua mediocridade. David Neves era considerado uma espécie de mestre de cerimônias do clã, e era louvado pelos CN, embora jamais tenha realizado um filme de valor”, afirma o crítico. “Só para mencionar um desastre: Neves jogou fora todos os valores de ‘Lucia McCartney’, de Rubem Fonseca, o que causou revolta na atriz protagonista, Adriana Prieto, que se solidarizou com minha crítica.”

Por fim, Azeredo fala do seu espanto com a adesão de críticos já experientes, na época, à defesa do movimento. “Estranhei que críticos de valor, como Alex Viany e Maurício Gomes Leite, tenham ingressado no ‘partido’ CN, perdendo a visão de conjunto da produção nacional. Um intelectual como Paulo Emílio Sales Gomes se tornou um ‘papa’ do novo culto, chegando a roteirizar uma das frustrações da vertente, ‘Capitu’, dirigido por Saraceni”.

“Olhar Crítico” não se detém no período do Cinema Novo. Estende-se até os primeiros anos do século 21, passando em revista a produção das décadas de 70, 80 e 90, até chegar aos principais títulos da chamada “retomada” do cinema brasileiro.

Fiel a seu mote desde os anos 60 – “promover um novo cinema brasileiro paralelamente a posições críticas independentes” – Azeredo avalia cada filme em função das qualidades e problemas que enxerga na obra em si, e também no contexto de sua época, dos diálogos do autor com os seus predecessores e com seus contemporâneos e do lugar do filme dentro da trajetória do cineasta. Um exercício duro, sujeito a erros e acertos, cumprido com coragem e honestidade pelo crítico.

Lançamento do livro “Olhar Crítico – 50 Anos de cinema brasileiro”
Quando: 2 de março, às 19h
Onde: na Livraria Travessa, Av. Afrânio de Melo Franco, 290, 2º piso, Rio de Janeiro

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