Azeredo teve atuação notável num dos períodos mais ricos da produção e discussão cinematográfica no Brasil, o da eclosão do Cinema Novo, no final da década de 50. Como se deu na França, com a Nouvelle Vague, o Cinema Novo promoveu a entrada em cena não apenas de uma nova geração de cineastas, mas também de críticos, que apoiaram o movimento com entusiasmo.
De uma geração anterior, em atividade desde o final da década de 40, Azeredo viu com simpatia a onda de renovação provocada pela geração de Glauber Rocha, a ponto de, em 1961, batizar o movimento com o rótulo (Cinema Novo) que ficou para a história, mas logo entrou em atrito com os cineastas e críticos “alinhados”.
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Dina Sfat e Grande Otelo em cena do filme "Macunaíma", do diretor Joaquim Pedro de Andrade
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Lázaro Ramos recebeu elogios do crítico por sua atuação em ''Madame Satã''
Os textos de Azeredo sobre filmes do Cinema Novo incluídos na coletânea expõem a luta de um crítico independente, analisando obras no calor da hora e sob pressão dos próprios cineastas e de seus aliados.
Azeredo elogia “Barravento” e aprecia “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber, embora sublinhe: “Sem ser o maior filme até hoje produzido neste planeta, como querem alguns exagerados”. Gosta de “Garrincha, Alegria do Povo” e extasia-se com “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade, mas não poupa críticas a “Terra em Transe”, de Glauber, e a “Porto das Caixas”, de Paulo Cesar Saraceni, entre outros.
Na introdução do livro, Azeredo lembra uma observação do cineasta Cacá Diegues, para quem o Cinema Novo foi, entre outras coisas, “um partido”. Questionado pelo UOL sobre o assunto, o crítico observa que o núcleo central do Cinema Novo, formado por Glauber, Cacá, Joaquim Pedro, Leon Hirszman e Gustavo Dahl, “desejava uma crítica ‘alinhada’ com as diretrizes do movimento”. Conta Azeredo:
“Restrições a qualquer filme cinemanovista eram consideradas ‘alienação’, submissão ao colonialismo cultural etc. Quando me desliguei da ‘militância’ no Cinema Novo e critiquei alguns filmes frustrados, Glauber me pediu pessoalmente que parasse de ‘atacar o Cinema Novo’. Meus artigos na ‘Tribuna da Imprensa’, segundo ele, estariam criando dificuldades para a liberação de empréstimo no Banco Nacional para a produção de "Deus e o Diabo na Terra do Sol". Ora, como um crítico pode se pautar pelas expectativas bancárias de produtores?”
Azeredo lembra de outros três problemas que afetaram o trabalho dos críticos de cinema durante o período. Em primeiro lugar, a militância cinemanovista via com restrições a produção de cineastas não alinhados ao movimento, independente da qualidade dela.
“Nunca aceitei tentativas de terrorismo contra os cineastas ‘não cinemanovistas’. Aqui, como ocorreu na França com o grupo (da revista) ‘Cahiers du Cinéma’ da Nouvelle Vague ao negar aptidão profissional a (Henri-Georges) Clouzot, (Claude) Autant-Lara e outros, houve tentativas de enxovalhar a reputação profissional dos não alinhados”, diz o crítico.
Em segundo lugar, lembra Azeredo, a defesa intransigente do Cinema Novo levou a militância a defender filmes de pouca qualidade. “Alguns ‘novos’ eram louvados pelos cinemanovistas, apesar de sua mediocridade. David Neves era considerado uma espécie de mestre de cerimônias do clã, e era louvado pelos CN, embora jamais tenha realizado um filme de valor”, afirma o crítico. “Só para mencionar um desastre: Neves jogou fora todos os valores de ‘Lucia McCartney’, de Rubem Fonseca, o que causou revolta na atriz protagonista, Adriana Prieto, que se solidarizou com minha crítica.”
Por fim, Azeredo fala do seu espanto com a adesão de críticos já experientes, na época, à defesa do movimento. “Estranhei que críticos de valor, como Alex Viany e Maurício Gomes Leite, tenham ingressado no ‘partido’ CN, perdendo a visão de conjunto da produção nacional. Um intelectual como Paulo Emílio Sales Gomes se tornou um ‘papa’ do novo culto, chegando a roteirizar uma das frustrações da vertente, ‘Capitu’, dirigido por Saraceni”.
“Olhar Crítico” não se detém no período do Cinema Novo. Estende-se até os primeiros anos do século 21, passando em revista a produção das décadas de 70, 80 e 90, até chegar aos principais títulos da chamada “retomada” do cinema brasileiro.
Fiel a seu mote desde os anos 60 – “promover um novo cinema brasileiro paralelamente a posições críticas independentes” – Azeredo avalia cada filme em função das qualidades e problemas que enxerga na obra em si, e também no contexto de sua época, dos diálogos do autor com os seus predecessores e com seus contemporâneos e do lugar do filme dentro da trajetória do cineasta. Um exercício duro, sujeito a erros e acertos, cumprido com coragem e honestidade pelo crítico.
Lançamento do livro “Olhar Crítico – 50 Anos de cinema brasileiro”Quando: 2 de março, às 19h
Onde: na Livraria Travessa, Av. Afrânio de Melo Franco, 290, 2º piso, Rio de Janeiro
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