Cuba
Naquela noite ela chega em casa e vê vários amigos vagabundos de Capistrano sentados em sua sala, derrubando bebida e cinzas de cigarro pela sala da casa comprada a muito custo com seu salário. Isso não seria problema se a cena não fosse uma repetição quase diária, vários sanguessugas espalhados pela sala com os pés sobre a mobília, som alto, gente bêbada inclusive ele próprio, ela já agüentava isso há pelo menos quinze anos, quinze longos anos e toda noite ela se perguntava por quê?
Quando ela conheceu Capistrano, ou melhor, Joey Road, que era o nome que ele era conhecido em sua banda de blues, Crossroads, naquela época era diferente, ela e ele eram diferentes, ele tocava guitarra, tinha longos cabelos pretos e um olhar que a fulminou no primeiro instante. Naquele dia ele ofereceu uma música e um solo de guitarra para ela, que se sentiu nas nuvens. Logo depois no camarim ela conheceu Joey Road, que demorou para dizer seu nome verdadeiro CAPISTRANO, que rendeu varias gargalhadas da parte de Sara, o grande guitarrista tinha um nome de algum avô quadrado e cafona. Mas mesmo assim foi amor a primeira vista, eles começaram a se ver, saiam quase todos os dias, ela uma filhinha de mamãe tinha encontrado seu bad boy, o musico romântico que capturou o coração da linda menina rica. Nessa época era tudo lindo, ela adorava os amigos músicos dele, até fumou maconha para se enturmar, parecia tudo um sonho.
Eles se casaram ao som de um disco de Robert Johnson, o velho negro que tinha vendido sua alma em uma encruzilhada, tocando com seus dedos endiabrados abençoando o jovem casal. Foram para uma lua de mel na garupa de uma moto que ele tinha na época.
Depois de um ano juntos ela começou a faculdade de direito, tinha que se encaminhar já estava passando da idade, e Capistrano ainda continuava com sua guitarra, mas sem o mesmo brilho, afinal a realidade é bem mais cinza quando acaba o conto de fadas.
Ele começou a beber pesado depois que um de seus amigos mais próximos morreu de cirrose acabando então com o Crossroads. Capistrano que nunca tinha trabalhado e não tinha renda fixa não ganhava quase nada, estavam vivendo da mesada que Sara ainda recebia, afinal sua mãe achava o cúmulo sua linda boneca ter saído de casa para ficar com um cão de rua como Capistrano. Mas para Sara era apenas um sonho que se tornava realidade, ela ainda o amava muito para achar qualquer coisa errada.
Cinco anos depois quando, ela acabou a faculdade, Capistrano trabalhava as vezes como músico de estúdio, ganhava uma merreca mas ajudava em casa, até perder várias sessões por bebedeira. Ela começou a advogar ainda naquele ano, começou a se dar bem na carreira, ganhar mais dinheiro e tira-los do aperto.
Capistrano bebia cada vez mais, e começou a se embrenhar na boemia paulistana enquanto ela trabalhava sem parar. Depois de nove anos juntos ela conseguiu comprar um apartamento grande nos jardins, um motivo a mais para ele começar a dar festas regadas a bebida e pessoas de índole duvidosa, ele era uma verdadeira mosca de bar, cada vez mais envelhecido pela bebida e a vida desregrada.
Sara no começo não dizia nada, ela até gostava às vezes de ter um pouco de diversão e viu aquilo apenas como uma fase de Capistrano como tantas outras, ele teria que crescer um dia.
Mas com o passar dos anos, com seu trabalho aumentando e a idade chegando, já não era mais uma menininha, não agüentava mais as festas, os vagabundos, as destruições e roubos que ocorriam em sua casa e Capistrano um grande idiota, já não era mais aquele rebelde de sua época, tinha envelhecido, estava gordo e careca no topo da cabeça, seus cabelos longos ainda persistiam, mas apenas nas bordas de seu crânio, sua barba abundante agora dava lugar a apenas um bigode de velho e um par de óculos de aro de tartaruga, estava parecendo mais um aposentado que um músico rebelde.E naquela noite, depois de um dia longo ela chega em casa, se depara com todas aquelas pessoas que ela não conhecia que Capistrano ia pegando pelos bares, inclusive várias mulheres vulgares e uma delas aninhando a cabeça de seu marido em seu colo; isso foi demais, ela desligou com violência o som, mandou todos saírem, gritando como uma alucinada pôs porta a fora a menina que afagava seu marido. Depois de todos terem sido enxotados Capistrano levanta a cabeça e pergunta :
- O que houve amor? Por quê tanta chateação?
Sara responde tentando se controlar:- Eu não agüento mais isso, não agüento mais ter de trabalhar 12 horas seguidas para chegar em casa e você dando festinhas para um monte de parasitas, como você não nota que eles usam sua boa vontade e acabam com sua casa? Como você pode ser tão irresponsável, você não tem mais vinte anos... Capistrano você tem que arrumar um emprego, estou cansada de cuidar de tudo, resolver tudo, você fica ai parado esperando seu grande dia, sua grande chance... Você esta acabado, imprestável... Cansei disso tudo, VOCÊ terá de escolher... Mudar de vida, acabar com suas festas e bebedeiras ou... Ficar comigo...
Capistrano a olhava tacitamente como se não acreditasse que estava sendo colocado na parede por aquela que foi sua companheira por tantos anos, os olhos verdes dela o fitavam de forma fixa e profunda. Não conseguiu responder nada apenas acendeu um cigarro e se deitou no sofá.
Sara saiu para o quarto pegou uma mala encheu com varias roupas, seus pares de sapatos em outra mala menor, pegou tudo saiu quarto a fora e olhando para Capistrano falou com uma voz decidida:
- Estou saindo Capistrano, estou indo embora, você só vai me ver de novo quando vir por a casa a venda e pegar o resto de minhas coisas... - Ela estava esperando uma reação dele, qualquer uma, que ele tomasse uma atitude, um grito, choro, mesmo que a agredisse, qualquer coisa ela estaria feliz, pois assim demonstraria que ele se importava com algo e com isso ela mudaria de idéia e ficaria a seu lado, mas ele apenas olhou de lado sem se levantar do sofá e disse com uma voz calma e doce:
- Sara, antes de sair... Por favor, me prepara uma cuba?
Um conto de Cleiner Micceno
Olha só, achei que Capistrano era ogan, e que fosse pedir pra Sara lhe preparar uma argamassa e tomar cuidado com o boi, quando saísse pelas ruas...
ResponderExcluirMuito bom o conto.
Bacana mesmo, misifio.