Alguns dizem que você vê toda sua vida em um flash, tudo se passa diante de seus olhos como um filme. Será que nesse momento você chegaria à conclusão que sua vida não valeu nada?
Esses foram os pensamentos que passaram pela cabeça de Will quando ele estava no parapeito de sua janela no vigésimo quinto andar. Ele tinha chegado a essa conclusão extrema de se matar depois de fazer uma minuciosa avaliação de sua vida mais ou menos que tinha levado até então.
Will como todo cara que realmente quer tirar a vida o fez, ou almejava fazer sem alarde, sem bilhete de despedida, sem dar maiores satisfações, afinal, para que dar satisfações de sua morte se nunca às deu para sua vida?
Ele tinha raiva absoluta daqueles suicidas que eram incompetentes, que tentavam passar dessa para melhor e não conseguiam atingir seu intento, odiava ver nos noticiários os caras que sobem em torres de energia,e os que ficam em pontes e ficam gritando, atrapalhando a vida das pessoas, causando blackouts e paralisações de trânsito, tudo para chamar atenção, mobilizar bombeiros e imprensa, menos se matar, ou pior ainda aqueles que cortam os pulsos com pequenas escoriações que nem sangram direito para a família ficar preocupada; e tinham aqueles que tomavam uma cartela de soníferos, que o máximo que queriam era uma lavagem estomâco –retal .
Os considerava todos seres deploráveis, sem força de vontade, reprimidos e carentes querendo atenção.
Sua concepção de suicídio era bem mais elaborada, tinha que ser algo rápido e higiênico na medida do possível, se jogar na frente de um trem ou um caminhão, algo grande que não o deixasse paraplégico, teria horror de ser o fardo de alguém ou de si mesmo, queria um fim rápido, mas se optasse por isso, ficava pensando no motorista ou maquinista que teria em sua vida o trauma de tê-lo matado, e isso ele não queria, afinal era suicida, mas ainda tinha uma ética que todo suicida deveria ter. Tomar veneno nem passou por sua cabeça, odiava o gosto amargo da maioria deles, se fosse pra morrer não seria com um gosto ruim na boca e nem com espasmos, vômitos e quaisquer líquidos a que venha expelir, espalhando sujeira para todos os lados dentro do apartamento, não queria incomodar ninguém; sufocação por fumaça fora de cogitação, não tinha carro e não iria roubar um só para desvalorizar o veiculo e ainda por cima ter fama de bandido quando morresse, não tava afim também de ligar mangueiras em escapamento e colocar a outra ponta dentro do carro fechado, arde os olhos e deve ser uma merda estar morrendo no meio de fumaça.
Se afogar também não, muito molhado e demorado,sofrimento desnecessário. Enforcado era capaz de acharem que era coisa auto erótica, que estava na moda, longe dele essas perversões. Poucas opções para quem quer se matar com dignidade. Ele não tinha um revólver, muita burocracia para conseguir comprar e tinha muito medo de tiros.Já tinha pegado uma faca para cortar os pulsos da forma certa, profundamente em posição horizontal no pulso, até acertar as artérias, esperar o sangue vermelho vivo arterial jorrar como chafariz dos cortes, mas é sujeira demais e além de demorar ele tinha horror a facas e coisas que cortam, doía muito, ele era um cagão, um covarde em sentir dor, não queria isso,
Depois de muito pensar, ele resolveu ir para o parapeito, 25 andares é uma altura respeitável, a sensação é atordoante, imaginar seu corpo batendo nas beiradas do prédio, ou nos fios de alta tensão próximos a rua, mas se tiver uma boa mira e ir como um foguete de ponta ele pode ir direto para o asfalto, cair de cabeça e buuummm... O crânio bate no cimento e ele terá uma morte instantânea, indolor, e fatal, sem possibilidade de erros; fará sujeira, mas assim que recolherem seu corpo é só jogar uma água e a vida dos outros segue em frente, as ruas não guardam mágoas. E por falar nas ruas, agora pensando nisso, imagine quantas histórias passaram por essas calçadas, quantos choros, mortes, separações, noites agitadas e violentas, quanto sangue já manchou o concreto, deve ter corrido muito sangue ai, ele faria parte dessa história, deixaria uma marca, mesmo que apenas um salpicado, afinal o que seriam só mais algumas gotas nesse oceano de concreto?
Will depois de muitas meditações filosóficas de como se matar agora pensava nos efeitos de sua atitude, e se ele atingisse alguém na queda, alguém que não merecesse, um transeunte que estaria passando por ali de madrugada ou levando o cachorro para passear... E se ele matasse também o cachorro? Ele nunca se perdoaria no além morte se existisse um além morte... Estava frio e ventando, será que isso atrapalharia o percurso de sua queda? E se ele caísse em um toldo como já tinha visto em um vídeo e sofresse só alguns ferimentos? Ele seria aquilo que mais odiava um suicida incompetente... Ou se morresse de forma ridícula quando caísse? Qual seria a dignidade do ato? Se ele fosso indicado para o Darwin Awards... Parecia uma grande besteira, mas tudo isso passava pela cabeça conturbada, ele queria se matar, mas queria decência, ele não estava preocupado com os julgamentos, com sua família, com a Leninha, que ele tinha deixado a pouco tempo, ele se preocupava mais com seu peixe dourado,Herbert, animal típico de suicidas, que ele já o tinha superalimentado para caso de demorarem resgatá-lo.
Ele ainda estava indeciso, sua sorte é que era muito tarde e ninguém ficava reparando no alto dos edifícios, tudo que ele não queria, além das dúvidas, era uma aglomeração e ibope para sua morte. Ele já tinha pensado e repensado isso tudo, estava tudo resolvido, mas nos últimos momentos as coisas mudam, novas questões vem à mente, mais coisas entram em jogo, será que os incompetentes também tem esses lampejos? Seria ele um dos incompetentes? Ainda bem que se fosse, seria só ele e ele mesmo.
Ia desistir por hoje, tinha chegado muito perto, mas precisava reavaliar as coisas para tentar de novo amanhã, ver a rua, o local as possibilidades de acontecer algo fora de seu controle, talvez mandar o Herbert,seu peixe, para alguém antes de se matar e assegurar a vida dele.
E enquanto pensava nisso, virou-se para entrar de volta ao seu apartamento, e um golpe do destino o fez escorregar, sem premeditação, sem vôo rasante de cabeça, caiu como um boneco desajeitado, sem poesia, nem graça no seu planar patético, o corpo caia como uma massa desajeitada, Herbert teria de se virar sozinho... Dentro da cabeça de Will, não passava mais nenhum pensamento sobre a moral e a ética do suicidas, nos olhos arregalados dele passava a vida em um flash, uma vida ridícula e tão mais ou menos que foi o mesmo que um grande branco, um grande nada, ou melhor, um pequeno nada; e entre o balé cômico da queda, o corpo se aproximava do chão, nenhum toldo, nenhum fio de alta tensão, nada segurou seu crânio quando bateu com um som oco na calçada, seu sangue agora escrevia uma pequena linha na história daquela rua, e toda ética e a morte decente de Will escorria pelo meio fio e caia no esgoto, se juntando a todo lixo da cidade, ele não era um dos incompetentes...
escrito por cleiner micceno
uso somente com autorização do autor
Muito bom, querido!!
ResponderExcluirEu queria me matar assim ter uma morte digna e muito poética mas sou um dos incompetentes...
ResponderExcluirE que história linda está de parabéns pelo Blog.
Um abraço!
Meu nome é Silvio.
opa agradeço pelos comentários Silvio, e mesmo incompetentes ou não vamos levando a vida, e quem sabe a morte nos agracia com um pouco de poesia nos momentos finais
ResponderExcluirOlá. Parabéns pelo texto, adorei ele, muito bom. Eu postei ele no meu tumblr (com a devida autoria e link para o seu blog) espero que não se importe... só li o seu comentário abaixo depois que já tinha postado. O link do poste está aqui ( http://meustormentos.tumblr.com/post/28359056153 ) caso queira conferir, ou prefira que eu retire o texto. Mais uma vez, parabéns, adorei aqui. :)
ResponderExcluirola thavi pode publicar sim fique à vontade
Excluiragredeço seus comentários
Muito boa tua história, um tema muito complexo, cheio de dúvidas, e filosofias...
ResponderExcluirQuando Will, ia deixar para pensar um pouco mais, não teve outra oportunidade.
Pobre Will, Passou a vida, sem vive-la ... Morreu sem glória !!!