Uma postagem interessante do blog do Guilherme Scalzille:
O espetáculo reacionário
Publicado no Mundo Mundano.
A legislação antifumo é um ardil genial da campanha de José Serra a presidente. O amplo apoio midiático transformou-a em bandeira cívica, atraindo a simpatia do contribuinte desinformado. Assim ninguém reclama por financiar uma propaganda milionária, mistificadora e falsamente institucional, em meio a tantas carências que maltratam o Estado. Até militância gratuita o governador recrutou, com seus “carrascos voluntários” unidos em milícias de dedos-duros e fiscais de costumes.
O teatro dos expurgos saneadores é característico de contextos totalitários. Vazia de referências éticas, a classe média urbana apresenta-se como vanguarda do salvacionismo despótico. Quem ousa questionar o consenso estabelecido vê-se desmoralizado como agente de interesses obscuros, enquanto os defensores da lei parecem inocentes e desapegados. Afinal, defendem um fantasioso “bem coletivo”, com embasamento pretensamente científico, sob nauseante omissão do Judiciário.
Os proibicionistas têm suas razões para evitar uma discussão honesta sobre o tema. Em circunstâncias democráticas, a opinião pública saberia que há fumódromos permitidos e eficazes em quase todos os países europeus e sul-americanos. E seria convidada a entender por que o veto a áreas reservadas restringe-se aos poucos lugares que ainda sustentam a fracassada política antidrogas imposta pelos EUA.
Campanhas verdadeiramente educativas não tratariam o usuário como imbecil, sufocando-o com paranóias e mistificações implausíveis. Qualquer adolescente sabe que a ridícula demonização do cigarro baseia-se em critérios vagos e arbitrários, pois é impossível creditar mortes ao tabaco (ou a qualquer substância) isoladamente, sem considerar uma complexa rede de variáveis, inclusive genéticas e ambientais. Um único fumante longevo derruba todo preconceito. E, dependendo de como se utiliza as estatísticas, o colesterol, o álcool e a poluição viram genocidas a serem exterminados.
Mas é fácil (e perigoso) confundir ciência e moral. A histeria antifumo, com seus jargões infantis e o bom-mocismo hipócrita, usa a defesa da salubridade para blindar-se contra o verdadeiro debate. A louvável e necessária proteção de não-fumantes pode conviver com áreas reservadas ou mesmo estabelecimentos inteiros onde seja possível fumar, desde que o público disponha de informações para escolher. O que se pretende, no entanto, é banir o fumo através de sua gradativa criminalização.
A discutível melhoria da saúde pública será irrelevante perto do retrocesso que a lei impõe aos direitos individuais: a pessoa deixa de deliberar sobre seu corpo e sua propriedade, submetendo-os ao humor dos legisladores. O conceito de espaço coletivo foi desfigurado para permitir a ingerência estatal sobre a liberdade de trânsito e convivência dos cidadãos.
Por seu caráter dissimulado e intransigente, essa legislação representa uma decadência no atribulado processo da redemocratização brasileira. E não apenas ao instituir um recuo doutrinário na evolução histórica de descriminalização das drogas e respeito ao foro privado. Trata-se de medida flagrantemente inconstitucional porque, além das violações jurídicas pontuais, fere predicados básicos da cidadania. A tolerância generalizada a tamanha arbitrariedade revela muito do conservadorismo galopante que ameaça entrevar o milênio recém-iniciado.
http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com/
Normalmente quando o texto é grande assim eu não tenho paciência... mas esse eu lí todinho Boa! :) rsrsr ;)
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