segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Dicas de leitura - A Grande História da Evolução, de Richard Dawkins

Estou abrindo uma sessão de dicas literárias no blog, como estou sem tempo de escrever uma resenha, resolvi roubar essa, mas mesmo assim, o que vale é o conteúdo dela, e nesse caso, o conteúdo é de longe satisfatório, vou abrir a sessão de dicas com o grande Richard Dawkins, um dos mais celebrados e também odiados cientistas da atualidade devido aos seus princípios ateístas e combativo à todas religiões, colocando a ciência como base de explicação e contra o obscurantismo mental,(o que eu acho louvável). E nesse excelente texto do Jerônimo Teixeira, que fala sobre Dawkins e sobre trechos de sua vinda ao Brasil, vale a pena com certeza perder uns poucos minutos e ler sobre a figura controversa do cientista e também sobre sua nova obra, " A Grande História da Evolução" que é um marco sobre o assunto.
No final do texto tem uma sinopse sobre o livro e links com alguns trechos de suas obras famosas como "Deus em Delírio " o "Gene Egoísta" e logicamente sobre o Evolução.

Boa viagem através da evolução dos seres em nosso planeta ...



A Grande História da Evolução, de Richard Dawkins

texto de :Jerônimo Teixeira,

O embaixador da ciência
O inglês Richard Dawkins chegou à biologia intrigado com grandes questões sobre a origem da vida. Tornou-se o maior divulgador atual do darwinismo e um ateu militante. No Brasil pela primeira vez, tratou mesmo de exercitar o seu lado de naturalista

PÁSSAROS NO PANTANAL
Richard Dawkins: entusiasmo quase infantil com papagaios e tucanos

Richard Dawkins interrompe a entrevista e aponta para o céu, onde voa um bando de pássaros barulhentos: "Olhe lá! Papagaios". Sóbrio, rigoroso nas suas respostas, Dawkins às vezes se mostra sarcástico – em particular, quando ataca seu alvo preferencial, a religião –, mas não é exatamente uma pessoa expansiva. O entusiasmo quase infantil diante de papagaios e tucanos – uma fauna que ele obviamente não encontra em sua casa em Oxford – pode ser creditado ao fascínio pela natureza que o autor comunica tão bem em livros como A Escalada do Monte Improvável e o recente A Grande História da Evolução, publicados no Brasil pela Companhia das Letras. Dawkins, no entanto, diz que não se tornou biólogo porque gostava de animais ou plantas. "Devo confessar que nunca fui um grande naturalista. Só desenvolvi isso ao longo dos anos. Minha motivação inicial no estudo da biologia foi filosófica", diz. Sua curiosidade voltava-se para o que ele chama de "grandes perguntas": Por que existe vida? Como ela surgiu na Terra? E suas respostas provêm de uma fonte fundamental: o pensamento de Charles Darwin (este, sim, um naturalista nato). Dawkins, de 68 anos, é hoje o maior divulgador mundial do darwinismo. Mas ele fez muito mais do que apenas "popularizar" a biologia moderna: desde sua estreia espetacular com O Gene Egoísta, de 1976, Dawkins vem, sem exagero, consolidando uma nova visão do mundo.
Dawkins passou duas semanas no Brasil. Foi homenageado no congresso da Animal Behavior Society (Sociedade de Comportamento Animal), que reuniu pesquisadores de 23 países em Pirenópolis entre 22 e 26 de junho. De lá, partiu para uma excursão de três dias pelo Pantanal, acompanhado de outros pesquisadores que participaram do congresso. Voltou maravilhado com a diversidade da vida. "A variedade de pássaros é espetacular. Para minha sorte, fui acompanhado de vários ornitólogos. Não sou um especialista em aves", diz. Na quinta-feira passada, um dia antes de embarcar de volta para a Inglaterra, esteve em Parati, para uma conferência sobre Deus, um Delírio, seu panfleto antirreligião.
Na pousada que abrigou o congresso da ABS, Dawkins era sempre visto no saguão, debruçado sobre seu notebook Apple. Foi um frequentador assíduo e participativo das palestras – saiu entusiasmado de uma conferência de Marlene Zuk, da Universidade da Califórnia, sobre evolução rápida em grilos do Havaí. "Eu mesmo estudei esses grilos nos anos 70. Mas minha pesquisa não deu grandes resultados", diz. O convite para o congresso de comportamento animal ofereceu a Dawkins a chance de se reconectar com a disciplina através da qual se iniciou no estudo da biologia, no começo dos anos 60, como aluno, em Oxford, do etologista holandês Niko Tinbergen, Nobel de Medicina em 1973. Nas últimas décadas, porém, ele se afastou da pesquisa direta para se dedicar à promoção da ciência. Hoje aposentado, Dawkins foi, de 1995 a 2008, o primeiro ocupante da cátedra de Compreensão Pública da Ciência, estabelecida em Oxford com fundos doados pelo húngaro-americano Charles Simonyi, ex-empresário e programador da Microsoft. "Sou uma espécie de embaixador da ciência", diz Dawkins.
Dawkins versão South Park

Os livros de Dawkins sempre reservaram farpas para a religião (e em especial para os criacionistas). Mas a cruzada contra a fé passou a ocupar o centro de suas atividades desde o lançamento de Deus, um Delírio, em 2006. O cientista apoiou a campanha que colocou cartazes nos tradicionais ônibus vermelhos de Londres com os dizeres "Deus provavelmente não existe. Então pare de se preocupar e aproveite a vida". Sempre combativo, o biólogo não admite nenhuma solução de compromisso que reserve lugares distintos para a ciência e a religião. "Ao contrário do que muitos afirmam, os dois campos se interpõem, sim. A visão religiosa do universo, a ideia de que o universo tem um criador – isso é, a seu modo, uma teoria científica, embora equivocada", diz. Na perspectiva de Dawkins, portanto, promover o ateísmo é também uma forma de dar seguimento à sua principal missão: divulgar a ciência. Mas ele começa a se ressentir da fama polêmica que o ataque a Deus lhe rende. Lamenta, por exemplo, que os jornalistas em geral só façam perguntas sobre esse tema.

SEM CONCILIAÇÃO
Dawkins na porta de um ônibus da campanha pelo ateísmo: ele considera que a teoria da evolução de Charles Darwin é incompatível não só com o criacionismo, mas com qualquer concepção religiosa

De fato, alguns começam a perceber Dawkins como o arauto de um programa negativo – o homem que diz não a Deus e à religião. Nessa condição é que ele foi satirizado, há três anos, no sempre cáustico desenho animado South Park (sua resposta foi bem-humorada: reclamou da péssima imitação do sotaque britânico feita pelo ator que dublou sua versão animada). A mensagem positiva de Dawkins é uma só: a teoria da evolução, descortinada por Charles Darwin em seu clássico de 1859, A Origem das Espécies. Em O Gene Egoísta, Dawkins encontrou uma linguagem única para expressar o significado profundo desse processo. Ele viu a seleção natural do ponto de vista de sua unidade básica, o gene. As criaturas vivas, argumentava, nada mais são do que veículos para a replicação dos genes através da reprodução. Essa é até hoje a perspectiva básica da psicologia evolutiva, que busca explicar o comportamento animal (humano, inclusive) em bases darwinistas. "Nunca houve um livro de ciência como O Gene Egoísta", escreveu o escritor Ian McEwan no trigésimo aniversário da obra. "Ele precipitou uma mudança colossal na teoria sobre evolução, e ao mesmo tempo conquistou o leigo, sem condescendência, e com estilo."

O ponto de vista revolucionário de Dawkins não foi imediatamente consensual no meio científico. Leitores apressados criticaram o suposto "determinismo genético" do autor. O ataque a Dawkins e a outros biólogos que faziam trabalhos análogos – como Edward O. Wilson, de Harvard – era mais ideológico do que propriamente científico. Alinhados com a esquerda, críticos como o geneticista Richard Lewontin, o neurocientista Steven Rose e o paleontólogo Stephen Jay Gould mostravam aversão programática a qualquer sugestão de que o comportamento humano pudesse ser influenciado pela genética. "Nunca entendi por que afirmar que a influência do meio ambiente supera a dos genes era tão importante para os marxistas. Talvez tenha a ver com a crença de que o ser humano pode sempre ser aperfeiçoado", diz Dawkins. O Gene Egoísta afinal se estabeleceu como uma referência fundamental para a biologia moderna – e foi seguido de outros oito livros elegantes e envolventes em sua explicação da evolução (um novo título, The Greatest Show on Earth, está para ser publicado neste ano). Sua descrição da vida a partir do gene pode sugerir um materialismo duro e desencantado. A lição final, porém, é de um humanismo radical: o ser humano é o único capaz de se rebelar contra a tirania cega dos genes. "Sempre que usamos um contraceptivo, estamos contrariando o imperativo darwinista da reprodução. E fazemos isso em muitas outras áreas", diz Dawkins. Darwinista ortodoxo, Dawkins poderia repetir em qualquer de seus livros a afirmação famosa com que Charles Darwin encerra A Origem das Espécies: "Existe grandeza nesta visão da vida".

A Grande História da Evolução, de Richard Dawkins

Sinopse do livro
A árvore da vida percorrida numa peregrinação de 4 bilhões de anos. Os integrantes da jornada se encontram a cada entroncamento, contam suas histórias e ressaltam as maravilhas da natureza e as revelações da biologia evolutiva. Um trabalho enciclopédico por um dos maiores evolucionistas da atualidade. A grande história da evolução é uma peregrinação ao longo da árvore genealógica da vida.


VEJA TAMBÉM
• Trecho: Deus, um Delírio

• Trecho: O Gene Egoísta

• Trecho: A Grande História da Evolução

conheça mais textos e idéias de Dawkins assim como de outros pensadores e escritores na parte de web books no site Ateus.net

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Névoa: um conto sobre a mortalha marinha


Uma névoa densa cobria todo o cais, eu estava parado no deck, o sol nem tinha aparecido no horizonte, havia acabado de acordar, uma ressaca monstruosa de gim e rum da noite anterior, minha cabeça continha um furacão pior que as tormentas dos dias de verão. O café tinha acabado de sair, amargo e fumegante, desceu pela minha garganta, me trazendo de volta a vida, acendi o cachimbo, um pouco de fumaça sempre faz bem, junto com o cheiro da maresia e dos peixes mortos que sobram na beira do porto, me sentia um lixo, prestes a ser levado pela maré e pelas vagas que batiam no porto, mas mesmo assim o dia logo ficaria claro e a névoa sumiria, eu teria que estar em mar alto, recebendo aquela luz diáfana mostrando o quanto eu estava morto, mesmo antes de deitar na tumba. O mar é um ótimo local para você estar, ele não julga, as máculas que permeiam a vida são todas lavadas pelas inúmeras tempestades, ficando apenas pequenas manchas indeléveis, que o faz conseguir conviver consigo mesmo. Sim, eu estava muito melancólico naquele dia, uma sensação de morte me corroia, mas tinha que sair, ir ao encontro das vagas e das ondas. Estava na hora de recolher os cordames, desatracar daquele porto barulhento onde a vida começava a me irritar, ouvia os gritos dos ajudantes, que chegavam e começavam a falar alto, com suas risadas e grasnados que se misturava ao marulho, se tornando uma sinfonia grave a meus ouvidos. Ergui o velame, e estava mais uma vez indo solitário para o mar, já me esqueci quantas vezes fiz isso durante a vida, depois de tantas mulheres e desencontros, acho que minha única grande amante foi a maré, que me transporta e me leva ao sabor dos ventos para dentro de seu seio acolhedor.



Já estava ao meio caminho de onde costumo jogar as redes quando o sol começou a despontar no horizonte, as águas azuis resplandeciam em mais um dia, que finalmente se fazia presente e mostrava o quanto eu era minúsculo, frente aquela força que estava imerso, só podia vislumbrar aquilo e pedir a benção por estar ali.
Lancei as redes e os anzóis de espera; hoje eu conseguiria ter mais alguns tragos à noite, quando voltasse para o cais do porto, iria ter com aquelas carrancas dos freqüentadores dos bares, com suas carnes queimadas pelo tempo e pelo mar, salgadas como o peixe que vendiam nas feiras nos finais de semana. Acendi o cachimbo para brindar o dia, esvaziei o que sobrou da garrafa de rum, e sentei na proa esperando o tempo certo de puxar as redes e os espinhéis. Nenhum barco a vista, só eu estava ali, esse era um lugar que poucos vinham, sempre iam onde as correntes se desdobravam a procura de cardumes, todos sem exceção, precisava de dinheiro extra, para suas famílias; em suas casas, sempre havia alguém para chorar suas mortes um dia quando suas vidas fosse tragadas pelo mar. Mas eu não tinha essas preocupações, simplesmente pescava para beber, para sobreviver, podia me dar ao luxo de ter dias menos proveitosos, sempre conseguia o necessário para as garrafas, as apostas e o fumo. Cochilei com o sol no rosto, acordei com a luz do dia alto no céu que me fez recordar que precisava me mexer e içar os peixes que estivessem em minhas linhas. Na popa do barco vi nuvens negras chegando pelo norte, um mau sinal, odiava as borrascas vindas do norte, pareciam presságios de desgraças, apressei minha corrida primeiro nos espinhéis, estirados pela lateral do barco com bóias a cada cinco metros, fui puxando lentamente, alguns peixes de tamanho médio, que dariam bom preço no mercado. Terminei de recolhê-los, já tinha ali uma boa soma, precisava agora recolher as redes, estavam mais longe, o vento estava me forçando a oeste, com muito esforço me encaminhei para direção delas, as nuvens já açoitavam minhas costas com sua presença agourenta. Recolhi as redes de par em par, içando para dentro do barco várias dúzias de peixes menores, foi um dia proveitoso, mas apenas queria estar longe dali, queria ir embora logo, estava com mau pressentimento, de repente as carrancas de terra firme se tornaram lembranças agradáveis. Uma lufada de vento começou a balançar o barco, a tempestade estava se aproximando, continuei o trabalho febril de recolher as redes que faltavam.



A ultima rede estava pesada, difícil de trazer a bordo, os músculos estavam retesados, a força nas linhas cortava os dedos, poderia ser uma grande sorte e ter pegado um dos grandes, isso faria eu ficar dias sem precisar vir ao mar de novo, tinha de me empenhar e trazê-lo para dentro, só havia peso, não tinha nenhuma luta debaixo das águas agora escuras, senti as primeiras gotas em meu corpo, geladas e afiadas, senti a frieza de seu toque, alguns raios começaram a brilhar no interior do negrume que se formou ao meu redor, a imagem das nuvens e da borrasca me causou medo, um temor que cala na alma, sentindo ser ninharia perante tão raivosa força da natureza; pensei em abandonar o peixe e as redes, seria um prejuízo menor que perder a vida em uma borrasca, mas meus braços e pernas não obedeciam mais, continuavam puxando, como se uma força os impedisse de parar. Continuava içando os últimos metros do emaranhado que trazia aquilo que estava oculto nas ondas, senti o frio selvagem da água da tempestade que se avolumava às minhas costas. Mais um tranco ele estaria dentro do convés, quando em um puxão, algo entrou no barco, algo soturno, não era um peixe, mas um sinal de morte; quando terminei de içar o redame, um braço, vestido em uma jaqueta puída de veludo, bateu no assoalho com força, e no meio das redes um corpo desfigurado pela água e pelas mordidas dos peixes, estava agora jogado em pleno convés, com o emaranhado da rede em torno de seu corpo carcomido, meu coração quase saltou pela boca, minha respiração estava difícil, seja pelo mau cheiro do corpo, pela borrasca que estava mais violenta jogando água em minha fronte pálida, um homem morto, estava ali, com seu sorriso descarnado, olhando para minha tez esbranquiçada. Paralisado, não consegui tirá-lo de la, jogá-lo de volta ao meio do oceano que palpitava com a chuva feroz que aumentava a cada instante. Levantei e entrei no meu gabinete, desnorteado, e do meio de coisas caídas, e a desordem do aposento, peguei uma garrafa de gim, precisava de um trago naquele momento, para esquentar os ossos e retomar a consciência. Abri a goela e despejei direto do gargalo, o mundo retomava o foco de novo, minhas roupas estavam ensopadas, o corpo começava a esquentar mas minha alma continuava gelada, pensando no corpo despejado do lado de fora ao sabor da tormenta,que assolava minha pequena embarcação.
Ele estava la deitado, estirado de bruços, com sua cara descarnada virada para minha frente, me observando, auscultando meus pensamentos, assombrando minha alma combalida.
Estirei-me próximo ao corpo com o balouçar do barco, a borrasca estava furiosa , arremessando tudo de um lado ao outro, menos o corpo que ali permanecia imóvel, como um totem, me lembrando da fragilidade da vida, tinha que devolvê-lo ao mar, me arrastei até a beirada, segurando nas bordas do barco, chegando aos pés do morto insepulto, agarrei as redes que o envolviam, puxei pelos pés, ele se recusava a se mexer, a tempestade tornou-se mais assustadora, os raios iluminavam a cena nefasta do morto que se recusava a voltar ao mar, levantei de um salto e peguei a parte de cima, perto dos ombros, e tentei içá-lo, meus dedos entraram nos restos de carne que se mostravam por entre sua jaqueta de veludo, o corpo se moveu, e em um rápido movimento eu vi no que restava da jaqueta de veludo, um monograma, E D. Não poderia ser, era impossível, já faziam muitos anos, mas era Edward Durrigan.



Em um clarão eu vi a face de Edward, ainda vivo, bêbado, com seu casaco de veludo, na mesa, onde eu tinha perdido tudo naquela noite, ele pegou todo o meu dinheiro e saiu fazendo troça... Naquela noite todos no bar me ridicularizaram, eu sai e fui atrás de Edward, ele estava cambaleando, indo em direção ao seu barco, rindo e cantando com sua voz de bêbado:- In Dublin's Fair City...Where the girls are so pretty ...I first set my eyes on sweet Molly Malone... Crying cockles and mussels alive, alive o! – Uma velha canção irlandesa, com seus soluços entremeando os versos.
O segui, ele parou em uma rua próxima ao cais, se encostou no muro para vomitar; era minha chance. Avancei pela pequena rua de pedras, encostei perto de onde estava, ia apenas tirar satisfação sobre suas atitudes, o peguei pela manga de sua jaqueta, ele se desvencilhou com violência e voltou-se para mim com sua cara marejada e suja, e falou com uma voz pastosa, - Seu vermezinho nojento, veio roubar um velho bêbado?- E tentou desferir um murro que não me acertou, desviei e ele continuou – Você não tem dignidade, Irvin MacLoud , igualzinho a seu pai... O velho MacLoud nunca teve dignidade nenhuma, sempre foi um covarde, um velho rufião como o filho agora o é... - Ouvi essas ultimas palavras com meus olhos marejados e com raiva inflada em meu peito, desferi um murro naqueles olhos vermelhos, e gritei –Lave sua boca para falar de meu pai seu velho bêbado!- O velho caiu, ouvi um estalo e uma batida seca, seu crânio bateu nas pedras da lateral da calçada, seu corpo se desmontou como um boneco de pano, ele estava morto.
Desesperado, tentando reanimá-lo, vi que seria inútil, o terror tomou conta de mim, peguei seu corpo inerte, e fui levando através da névoa da noite soturna, ouvi passos dos policias que faziam a ronda noturna, me escondi entre tralhas de pesca de um barco, que se chamava, Destino, lembro-me bem disso. Assim que os passos recuaram para longe, peguei o corpo do velho, levei até seu barco, coloquei o corpo sentado na proa, desatraquei e levei até alto mar, onde o deixei sentado entre o timão e uma bússola de mesa, peguei um bote depositei no mar, achei as chaves no bolso do casaco do morto, as chaves ele guardava sempre perto do coração, onde se via o monograma E D estampado. Abri a porta do porão, procurando qualquer coisa que pudesse utilizar para afundar o barco, achei um pequeno barril com pólvora negra, seria o bastante. Com um pedaço de pano, fiz o pavio que levaria aquele barco a pique, embebi em querosene, coloquei o rastilho na boca do barril, e acendi, corri para fora do barco me lancei ao mar que estava calmo com a lua despontando em meio à névoa, estava longe dos ouvidos de todos, só eu e minha vergonha estávamos presentes. Continuava nadando para o pequeno bote que estava a poucos metros, quando ouvi o estrondo, o casco teve um ferimento que foi o bastante para colocá-lo a pique, congelado pelo frio da alma pecadora e pela água gélida do oceano acusador. Observei os últimos instantes do velho Edward, o barco desceu horizontalmente até virar na vertical e começar a sumir, pela garganta do mar, que engole a todos que nele vivem. O corpo torcido virou-se para mim em um ultimo olhar antes de partir, os olhos vermelhos e opacos me observaram até os últimos segundos, quando ele foi cravado nas águas que o devoraram, um calafrio percorreu meu corpo, como se uma alma atormentada rodeasse meu corpo naquele instante. Fiquei ali paralisado por alguns minutos, como se velasse pela minha própria morte. Comecei a remar de volta a meu próprio barco.
Quando amanheceu ninguém deu falta de Edward, eu não consegui dormir aquela noite, e durante muitos meses depois do ocorrido, me recolhi em minha solidão desde então. Edward foi dado como desaparecido, mais uma vitima do mar. E meu tormento, com passar dos anos foi amenizado, mas nunca totalmente esquecido; ainda tinha pesadelos com os olhos vermelhos e mortiços dando sua ultima olhada para mim, os olhos rogando uma maldição sobre minha alma.
E agora, o corpo insepulto de Edward esta aqui reclamando meu espectro, com um sorriso de escárnio, cobrando minha vida infeliz, me atormentando por um mau passo, junto com a tempestade, cobrando seu preço - Oh alma inglória, que meu arrependimento e tortura cheguem aos ouvidos de Deus, perdoe-me, vá em paz com seus andrajos, eu fiquei vivo mas morri no dia que tirei sua vida, os seus restos ainda pairam sobre minha cabeça, em uma nuvem de chumbo que não consigo dispersar... Infecta todos meus sonhos e pensamentos, essa tortura de meu ser é o pior dos infernos que um homem pode enfrentar, vá em paz na profundeza do oceano escuro, arruma sua morada, esquece sua vida e segue em tua morte, pega essa moeda, que coloco em sua mão e entrega a Caronte, o fiel barqueiro te levará pelo vale das sombras... - Enquanto eu gritava as ondas batiam ferozmente na balaustrada do barco, a água feria minha fronte, que estava em prantos e as lágrimas se misturavam na imensidão do mar bravio e revolto.



- Segue teu caminho oh alma sem guia nem farol, volte as suas profundezas escuras, me deixa em paz com minha sina, deixe-me penar em paz, nesse abissal lodo que atola minha alma maculada pelo sangue... -Ergui o corpo pelos ombros, com a tempestade batendo de frente em meu corpo como estilhaços de vidro; virei os restos do velho na beirada do barco que balançava como um demônio indomado; o atirei no mar, a rede deslizou e se enroscou em uma parte da balaustrada, gritei em plenos pulmões no meio da água que se arremessava contra mim e durante os raios que caiam com raiva... – Alma maldita, saia de meu barco, vá para o coração da tempestade que te solidificou o corpo, liberte-me siga seu rumo! - Peguei uma faca que estava dentro de meu gabinete, fui até a rede cortando cada fio de sua trama que prendia aquele olhar oco que ainda me observava, cada fio da trama que era cortado o corpo escorregava um pouco mais; no ultimo dos nós que se soltava, olhei uma ultima vez no rosto descarnado, e as órbitas vazias por um instante ganharam olhos vermelhos e mortiços, que me observaram por alguns segundos, quando finalmente se soltaram as ultimas amarras o corpo foi dragado pelo turbilhão, levando aquilo que era seu de direito... Me ajoelhei no convés, estava desgastado, me sentindo apenas uma carcaça vazia, com as ondas batendo no barco, a tempestade levantava a proa e fazia o casco se chocar nas vagas que chicoteavam com força, levantei-me com muito esforço, entrei em meu gabinete, peguei uma garrafa de gim subi até o convés, ergui a garrafa ao alto e gritei – Esse brinde é por sua alma Edward! - Tomei um gole; o barco foi entrando no oceano, cada vez mais a deriva, a tempestade aumentava de forma dramática, as ondas subiam até o convés, o mar estava reclamando mais uma alma, peguei mais uma moeda, segurei em minha mão com força, eu estava a caminho do centro da tempestade, com mais um gole, ergui a garrafa e gritei – Caronte, fiel barqueiro, estarei contigo até a ultima tormenta ...- E o barco foi envolvido pela tempestade...

por Cleiner Micceno *



* todos contos contidos nesse blog são de autoria de Cleiner Micceno, esó poderão ser usados em qualquer tipo de veiculação ou publicação com previa autorização do autor.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O espetáculo reacionário

Uma postagem interessante do blog do Guilherme Scalzille:
O espetáculo reacionário

Publicado no Mundo Mundano.

A legislação antifumo é um ardil genial da campanha de José Serra a presidente. O amplo apoio midiático transformou-a em bandeira cívica, atraindo a simpatia do contribuinte desinformado. Assim ninguém reclama por financiar uma propaganda milionária, mistificadora e falsamente institucional, em meio a tantas carências que maltratam o Estado. Até militância gratuita o governador recrutou, com seus “carrascos voluntários” unidos em milícias de dedos-duros e fiscais de costumes.

O teatro dos expurgos saneadores é característico de contextos totalitários. Vazia de referências éticas, a classe média urbana apresenta-se como vanguarda do salvacionismo despótico. Quem ousa questionar o consenso estabelecido vê-se desmoralizado como agente de interesses obscuros, enquanto os defensores da lei parecem inocentes e desapegados. Afinal, defendem um fantasioso “bem coletivo”, com embasamento pretensamente científico, sob nauseante omissão do Judiciário.

Os proibicionistas têm suas razões para evitar uma discussão honesta sobre o tema. Em circunstâncias democráticas, a opinião pública saberia que há fumódromos permitidos e eficazes em quase todos os países europeus e sul-americanos. E seria convidada a entender por que o veto a áreas reservadas restringe-se aos poucos lugares que ainda sustentam a fracassada política antidrogas imposta pelos EUA.

Campanhas verdadeiramente educativas não tratariam o usuário como imbecil, sufocando-o com paranóias e mistificações implausíveis. Qualquer adolescente sabe que a ridícula demonização do cigarro baseia-se em critérios vagos e arbitrários, pois é impossível creditar mortes ao tabaco (ou a qualquer substância) isoladamente, sem considerar uma complexa rede de variáveis, inclusive genéticas e ambientais. Um único fumante longevo derruba todo preconceito. E, dependendo de como se utiliza as estatísticas, o colesterol, o álcool e a poluição viram genocidas a serem exterminados.

Mas é fácil (e perigoso) confundir ciência e moral. A histeria antifumo, com seus jargões infantis e o bom-mocismo hipócrita, usa a defesa da salubridade para blindar-se contra o verdadeiro debate. A louvável e necessária proteção de não-fumantes pode conviver com áreas reservadas ou mesmo estabelecimentos inteiros onde seja possível fumar, desde que o público disponha de informações para escolher. O que se pretende, no entanto, é banir o fumo através de sua gradativa criminalização.

A discutível melhoria da saúde pública será irrelevante perto do retrocesso que a lei impõe aos direitos individuais: a pessoa deixa de deliberar sobre seu corpo e sua propriedade, submetendo-os ao humor dos legisladores. O conceito de espaço coletivo foi desfigurado para permitir a ingerência estatal sobre a liberdade de trânsito e convivência dos cidadãos.

Por seu caráter dissimulado e intransigente, essa legislação representa uma decadência no atribulado processo da redemocratização brasileira. E não apenas ao instituir um recuo doutrinário na evolução histórica de descriminalização das drogas e respeito ao foro privado. Trata-se de medida flagrantemente inconstitucional porque, além das violações jurídicas pontuais, fere predicados básicos da cidadania. A tolerância generalizada a tamanha arbitrariedade revela muito do conservadorismo galopante que ameaça entrevar o milênio recém-iniciado.



http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com/

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Elke Maravilha será homenageada no Cinema Mundo

No mês de novembro, Itu será contemplada com a terceira edição do Festival Internacional de Cinema. O evento, promovido pelo Cinema Mundo, se estenderá entre os dias 26 e 29 de novembro, no Espaço Fábrica São Luiz (rua Paula Souza, 492, centro). A cerimônia de abertura está marcada para às 18 horas do dia 26 e contará com a presença da atriz Elke Maravilha, que será homenageada por sua atuação no cinema nacional.

Por meio do festival, a população poderá ter acesso a 35 filmes distribuídos em quatro mostras: Infantil, Panorama Nacional, Panorama Internacional – Ano da França no Brasil e a Competitiva Franco-Brasileira de curtas-metragens. Os organizadores divulgaram que foram mais de 300 inscritos, resultando no seleto número de 26 curtas para a mostra competitiva.

O júri será composto por Joel Yamaji (coordenador de curso de cinema da ECA–USP), Tito Ameijeiras (ex-diretor da Escola Internacional de Cine e TV de Santo Antonio de Los Baños), Lina Chamie (diretora do filme “Via Láctea”), Luiz Carlos Saldanha (cineasta do cinema novo), Sabina Anzuategui (roteirista), Filipe Salles (ex-professor da FAAP e coordenador do Departamento de Fotografia do Ceunsp), Marcos Luporini (Mestre em Multimeios da Unicamp).

Em virtude do Ano da França no Brasil, o evento engloba ainda outras atividades como a oficina sobre o doce Marrom Glacê, um recital de música francesa ao violão e uma exposição de fotografias.

O III Festival Internacional de Cinema ainda terá, durante os quatro dias do evento, o seminário “A Arte de Assistir Cinema” com Tito Ameijeiras. As inscrições para o seminário podem ser feitas pelo site www.cinemamundo.com. No mesmo site, pode ser conferida a programação completa do festival.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

psycho therapy - uma entrevista com os Skizoyds

E la se vão quase 20 anos, billy grilo e todos os Skizoyds são pessoas difíceis de se encontrar hoje em dia, abraçaram o psychobilly como estilo de vida, e estão até hoje indiferentes às modas e as mudanças que acontecem nos cenários musicais, sempre fiéis as suas raízes, eu os considero irmãos há muitos anos, desde que nos conhecemos no longínquo ano de 1993, sempre os vi como pessoas as quais deveriam ser exemplos a serem seguidos, em humildade e camaradagem.

Mesmo nas adversidades, em uma cidade Santa Isabel que eles chamam de Elo Perdido, onde vivem à margem da capital de São Paulo e também à margem do mainstream e da sociedade, são delinqüentes por definição, delinqüentes culturais, que se esforçam para trazer algo mais, desprezando a mesmice musical que aportou nas terras tupiniquins e não tem nenhuma perspectiva de ir embora, o seu novo trabalho TREPANAÇÃO, chega depois de oito anos de espera, mas veio na hora certa, desde a época dos MONGOLORDS e suas musicas instigantes, desde o agito causado para manter a cena viva no Brasil, em épocas que ninguém sabia o que era Psychobilly, os integrantes estão aqui, e agora com novas aquisições para enriquecer o trabalho, e continuam espalhando a insanidade do verdadeiro rock´n´roll sem frescura e sem melodias chorosas, a crueza e urgência que fazem uma banda ser necessária estão presentes nesses quase 20 anos, sem envelhecer, parecendo tão jovem quanto nos 16 anos atrás quando os conheci, todos ainda semi adolescentes mas com uma necessidade de trazer a raiva do rock´n´roll contra o tédio reinante.

Boa leitura



Cleiner Micceno - Gostaria que você falasse sobre o começo, como se conheceram e as bandas que tocavam antes dos mongolords, e como era a cena em Sta Isabel, o Elo Perdido?


Billy Grilo – O Alemão era meu vizinho, mas eu não trocava muita idéia porque era um Metal piolhento, o Morto era punk e vivia arrumando treta, o Luís ainda não era maloqueiro e eu tocava numa banda chamada Marmita Nuclear, que não passou de alguns ensaios pois era uma desgraça! ehehehehe. Em meados de 1986, uns camaradas de uma geração anterior à nossa organizaram um Festival que contou com o Sepultura e mais um monte de bandas, o João Gordo do RxDxPx apareceu por lá, foi o começo do Crossover e a partir daí resolvemos unir nossas forças para formar o Mongolords...


mongolords & planet hemp



CM - Quais eram as influências da banda nessa época e como veio o nome mongolords?


BG - As influências eram todo tipo de “lixo cultural” que devorávamos; HQs, filmes de terror, Cramps, Ramones, Iggy & Stooges, Motorhead, Kães Vadius, etc... O nome da banda surgiu de uma idéia coletiva, tinha a ver com o espírito sarcástico da banda.




CM - Como era o lance com as outras bandas de Sampa, havia contato e camaradagem? Aproveite e conte alguma história marcante dessa época com os mongolords.


BG - Nessa época o que rolava era o amadorismo e o que predominava era a “brodagem” entre as bandas. Fatos marcantes tiveram vários, dentre eles podemos citar quando fomos tocar numa cidade vizinha com um ônibus cedido pela Prefeitura, que foi entupido de toda a escória da cidade, a galera aterrorizou tanto que tivemos que sair da cidadezinha escoltados pela policia! (Risos)



CM - fale sobre os cotonetes na revista rock brigade da primeira demo?


BG - Esse lance foi engraçado, tínhamos mandado a demo de divulgação para a revista, um dos editores curtiu, e outro que era mais pra linha do Metal Melódico detonou o Morto, que teve a idéia da anti propaganda, enviando os cotonetes para a redação da revista, o que acabou rendendo uma matéria.

( Para quem não conhece a história, os mongolords indignados mandaram uma carta com vários cotonetes para a redação com um bilhete lacônico, onde dizia para eles limparem os ouvidos,) NdE


CM- Me fale do vinilzinho Sueños Terribles.

BG- Meu camarada, só nesse Ep ja dá uma puta história...mas o que vale ser ressaltado é que pegavamos o trem na luz e íamos p/ Sanca City p/ fazer contatos com a galera Psycho do ABC, lá frequentavamos a galeria que tinha a Rick n Roll....conhecemos o Fedo, o Marcio do New City Rockers, Douglinhas, Ricardinho etc)...A capinha foi desenhada pelo Fraile, também conhecido por HulkaBilly, que posteriormente fez toda a arte gráfica do Psychorrendo e do Assim Caminha a Insanidade....o Ep foi gravado num estúdio de 8 canais, que ficava no fundo de uma casa no bairro de Pinheiros.....vixxxx fica passando um filme classe z dessa nostalgia toda....foda.....até o Mortão já ficou baqueado....ehehehe



CM - E o caixão & cachaça, que inclusive é um dos shows com o joe coyote que eu mais gostei de tocar, exatamente pela singularidade do local ! (risos)


BG - Todos os locais que podíamos tocar tinham fechado as portas para nós, devido as constantes confusões, banda e público na verdade não passavam de um bando de delinqüentes, para as pessoas de bem da sociedade do Elo Perdido (risos)... A dona da casa funerária, que também tinha um bar ao lado, estava passando por dificuldades financeiras, daí unimos a sede com a vontade de beber e surgiu o festival “Caixão & Cachaça”, evento que contou com 2 edições e foi histórico para quem fez parte, tenho certeza que o Joe Coyote tem histórias marcantes para contar, por ter sido uma das bandas protagonistas desse grande evento (risos), lembro do guitarrista de vocês trocando idéia com um senhorzinho de topete engomado que estava curtindo tudo, encostado em um canto da funerária, daí eu só vi ele se despedindo dizendo: - Se precisar pode contar comigo, estarei aí fora esperando, e acabou fornecendo um cartão onde estava escrito seu nome e a profissão embaixo – “COVEIRO” (gargalhadas)! O VERDADEIRO ZELADOR DA CRIPTA DO TERROR!!!!

CM – Me lembro bem disso, e lembro que nesse dia ainda levamos você para dar um rolê de caixão, falando –eu sou o bela lugosi (risos) e mais de uma coisa bizarra aconteceu nesse dia, a policia colou do lado de fora e começou a descer a lenha na galera, e o Morto veio correndo para dentro gritando - Entrem atrás do palco e fiquem la, que o bicho ta pegando la fora! Sei que saímos ilesos, mas foi por pouco.(risos)

(joe coyote, foi a minha primeira banda de psychobilly, formada em 1992, e os MONGOLORDS eram nossa banda irmã por assim dizer, na cronologia psychobillistica do Brasil, o joe coyote e os Mongolords, fazemos parte da segunda geração do estilo no Brasil, entrarei em maiores detalhes futuramente em uma edição apenas com essa cronologia) NdE

psychorrendo

CM - Fale sobre as demos e depois a coletânea psychorrendo, que é um marco do psychobilly nacional. se não me engano a primeira coletânea em cd do estilo lançado no Brasil.


BG -Nós lançamos 3 demos, a “Estranho mundo dos Mongolords”, “A meia noite levarei a tua alma”, que era uma homenagem ao Zé do Caixão, e a que antecedeu a PsycHorrendo “Deusa Ufonauta”, que teve uma excelente repercussão, o que acabou rendendo uma participação na coletânea “Garimpo Underguide”, da Paradoxx Music, que teve a produção do Clemente dos Inocentes. A PsycHorrendo foi a 1ª coletânea do estilo em cd, idealizada pelo Morto como uma forma de cooperativa entre as bandas de São Paulo e Curitiba para dar uma injeção de ânimo na cena.


os mongolords invadem New York


CM - e como foi a mudança pra NY? Vocês chegaram a manter a formação da banda nos EUA?


BG - A mudança pra NY foi depois que ganhamos um concurso promovido pela revista ShowBizz e 89 FM, que deu direito a gravação de um cd single, produzido pelo Planet Hemp. Isso tudo gerou muita expectativa na banda, mas acabou não rolando nada, os integrantes do Planet Hemp tiveram problemas com a justiça e acabaram sendo presos, cancelaram shows... Nossa banda acabou entrando em crise e acabamos decidindo ir para NY para tentar levantar uma grana...

Quando estávamos lá percebemos que a banda não iria mais rolar, compramos alguns instrumentos (inclusive o rabecão) e voltamos. O Mortão é nosso brother, ficou e permanece lá até hoje. Está com uma nova banda, o Ironixx. Desde que o Morto foi desta pra uma outra... banda ... passaram-se 11 anos....



CM - Agora me fale sobre o começo dos skizoyds e como foram as mudanças?


BG - Eu e o Luis voltamos primeiro, começamos a ensaiar novas musicas e surgiu a vontade de montar uma banda diferente dos Mongolords, mais tenebrosa e com mais peso. O Luís sempre mandou bem no vocal, o Alemão chegou com o baixo acústico e decidimos tocar o puteiro como um Power trio mesmo. O nome “Skizoyds” vem da primeira frase da música Psycho Therapy dos Ramones....”I’m teenage schizoid ...”

no musikaos


CM - conte algumas histórias que marcaram a banda nesses anos.


Ainda continuamos batalhando, mas as coisas mudaram para melhor, o lance já é mais estruturado, participamos do programa Musikaos da TV Cultura, tocamos nos melhores festivais (Psycho Fest e Psycho Carnival em Curitiba), e abrimos alguns shows de bandas gringas, dentre elas destacamos os Cenobites da Holanda, que alem de grande banda são super camaradas.



CM - e sobre a cena ? como você vê a cena hoje em dia?


BG - Apesar de estar mais profissional, sinto a cena meio fechada, na minha opinião está faltando mais espaço para boas bandas que tem surgido pelo interior. È muito bom ter festivais próprios para o estilo, mas também vejo a necessidade da união do underground, senão o lance fica muito restrito e corre o risco de definhar. O importante é colocar o tesão de tocar na frente do dinheiro. A brodagem não pode ficar de lado, porque nem todas as bandas contam com uma estrutura boa para fazer “permutas de shows” com as bandas dos grandes centros.


capa do cd TREPANAÇÃO


CM - Agora fale sobre as novidades, principalmente sobre o cd trepanação, que acabou de sair do forno e esta muito bom por sinal!


BG - O cd Trepanação é o resultado de oito anos de estrada, dedicados não só ao estilo mais underground, como também a uma filosofia de vida. Demoramos a lançar porque queríamos que fosse um marco para banda, e conta com participações mais do que especiais do Hulk dos Kães Vadius, num dueto infernal com o Luicifer, Alex Valenzi detona no piano boogie woogie e vários amigos artistas da nossa cidade também participam de alguma forma, seja tocando, desenhando, fotografando ou como equipe de suporte para a realização de eventos, toda a gang de delinqüentes reunida para espalhar a insanidade...


com hulkabilly



CM - falem se vocês tem algum projeto paralelo aos skizoyds? E fale também sobre a entrada do novo batera para o Luícifer assumir de vez os vocais?


BG - Não temos tempo para nos dedicarmos a outros projetos, somos os Skizoyds nas poucas horas vagas. A idéia é seguir o que o Mad Sin fez, que passou de um Power trio para um quinteto, queremos mudar a dinâmica da banda tanto no palco quanto para futuras composições de estúdio. Já nos apresentamos com a nova formação no pré lançamento do cd Trepanação, que foi na IV Oktober Rock, e contou com Kabana, segurando as baquetas e Leandro Fiotão, na segunda guitarra, deixando o Luicifer livre para os vocais. Foi ducaralho!


CM – O que vocês ouvem hoje em dia o que os influencia atualmente?


BG - Continuamos sendo influenciados pelas mesmas coisas de 15 anos atrás, acima de tudo somos grandes fãs de Rock n’ Roll e tudo que está relacionado a este estilo de vida: Terror, quadrinhos, sacanagens, Choppers e Hot Rods envenenados da Cultura Custom, tattoos, pin ups e todo tipo de demência que exorcise nossos demônios interiores.



CM - Agora deixem um recado ai pra galera e obrigado pela entrevista.


BG - Nós é que agradecemos Mr. Reverend Stalker. A vida é curta, portanto, curtam a vida adoidado seus monstrengos! Nos vemos em algum boteco pela estrada, para juntos celebrarmos o verdadeiro Rock n’ Roll. O que não nos destrói, nos deixa mais Skizoyds. Keep Wrecking!

Billy grilo é o guitarrista da banda skizoyds.


visitem o my space dos SKIZOYDS


http://www.myspace.com/skizoyds




Fumaça - uma crônica tabagista de um tabagista crônico

Esse texto eu escrevi há uns dois anos, ainda não existiam as leis severas anti tabagismo, enfim eram dias melhores, mas mesmo assim o texto se tornou mais atual que nunca, nem aparenta a idade, parece até mais moço, como se tivesse feito uma lipoaspiração e uma correção de idade na cama do esteta.
Esse conto, inclusive, eu nem tinha publicado em lugar nenhum, mas o Trovão
uma das poucas pessoas que teve acesso ao texto, me ligou e falou" - já publiquei no meu site, só liguei pra pedir permissão mas já publiquei" ahahaha, e então resolvi mandar o texto pra frente achei que estava na hora, no site do Trovão, no Abacoros e no Bah caroço vocês terão a versão que escrevi há dois anos atrás, sem correções, era só um argumento, até prefiro assim, com os erros e as displicências verbais e textuais que só quem escreve pra manter a idéia e perder menos tempo faz,algo para revisar depois, mas mesmo assim, o texto se mantêm aqui da mesma forma, apenas mais burilado, com as devidas correções ortográficas e de pontuação e com uma ou outra modificação em algum termo, alguns parágrafos foram sumindo até que desapareceram dentro de uma mesma linha, quase como uma suruba de letras, mas ali estão e se mantiveram no mesmo contexto, sem essas pequenas orgias o que seriam dos textos? eheh
bem ai está a versão final de fumaça, um texto pró tabagista, e com bom humor, diferente dos textos que nos combatem , nós temos humor, afinal o cigarro te da calma e jovialidade, afinal quem não fuma fica com a cara linda e saudável do José Serra... e tenho dito...



Fumaça


Por que as pessoas fumam?
Não sei...
Só sei que fumam.

Onde há fumaça há fogo, e onde a há fogo há um cara querendo acender um cigarro.

Não sei nem porque, nem onde as pessoas começaram a fumar , ou melhor expelir fumaça dos pulmões depois de tragá-la.A história do tabaco é mais antiga que as constituições e leis anti tabagistas.
Pra falar a verdade, a história do mundo foi escrita à base de fumaça; seja ela de cigarros, charutos, cachimbos ou canhões, sem fumaça não haveria história.

A magia pode advir dos desenhos disformes, feitos pela fumaça que sai da boca quando você acaba de dar uma tragada, esses desenhos, que lembram nuvens, nos remetem a infância procurando formas e sentido nelas, ou talvez, apenas o simples prazer de acender o tabaco pra sentir o tempo parar por alguns instantes, entre uma tragada e outra...

A satisfação de uma baforada é algo que só quem já fumou pode saber, difícil descrever; o tabaco é o único prazer do indigente, que se contenta até com uma simples guimba de um cigarro achado na rua, é o amigo do solitário naquela noite sem maiores perspectivas, o acompanhamento perfeito no pós-coito sexual, e às vezes o cigarro é melhor que a transa em si...
O prazer e o cigarro andam juntos, é um momento quase ritualístico acender um cigarro, a chama bailando em frente ao rosto, o momento em que a brasa entra em ignição, a fumaça cria seus primeiros círculos , você se sente em um filme de Hollywood... Até os filmes perderam a graça depois que ninguém mais soltou fumaça, os detetives dos filmes eram verdadeiras chaminés, agora meros robôs sem graça e sem fumaça, quem vai torcer pra um detetive que nem fumaça solta? Prefiro o bandido que não é politicamente correto e ainda pode fumar...
...Sim...

Pois a maioria do pensamento humano foi acompanhado de muita fumaça; pensadores, poetas, artistas, cientistas...
O pensamento humano seria bem menos interessante sem o tabaco, sem a fumaça

Pra falar a verdade, temos muitas coisas obsoletas para a vida , como chuchus, jilós e ornitorrincos. Agora o tabaco é importante, está na nossa cultura, em nossa história,veja, até os nossos ancestrais, assim que descobriram o fogo, logo em seguida inventaram algo para fumar, os indígenas usam a fumaça para os rituais; o fumo coletivo é uma das tradições mais antigas entre todos os povos arcaicos, para aproximar os amigos e também para se aproximar de seus espíritos ancestrais ... que também fumavam...

... Mas isso ainda hoje é feito, ainda se fuma nas rodas de amigos, compartilha-se o cigarro com aquele amigo menos afortunado, que te pede encarecidamente um cigarrinho, ninguém no mundo, pede encarecidamente um chuchu ou um ornitorrinco a alguém !

Os cigarros são mais importantes socialmente que as socialites, os sociólogos e os partidos conservadores...

Na cadeia são moedas de troca, nos tempos de paz fuma-se por prazer, nas guerras por necessidade, nos locais proibidos por obstinação, sim porque os fumantes são seres obstinados, perseguidos como cães raivosos, limitados a espaços isolados como doentes terminais, e tudo por causa única e exclusiva da fumaça, que é apenas ... fumaça...

...O que seria dos camponeses sem o cigarrinho de palha, colhendo os chuchus que realmente não servem pra nada?

Nos escritórios isolaram quem fuma em ambientes minúsculos, longe de todos, ser visto fumando é algo constrangedor - Ah me desculpe! o cigarro é de outra pessoa eu só estou tomando conta enquanto ela foi se matar um pouquinho...

Mas mesmo assim continuamos!
Seguimos!
Incansáveis...
Bem ... Um pouco cansados, nosso fôlego é mais curto, mas mesmo assim é nosso fôlego e usamos o que temos, não roubamos o fôlego de ninguém...
Pagamos por nossa fumaça, e pagamos caro,

temos o direito e o dever de manter as tradições de nossos ancestrais,

vamos fumar,

tragar sem constrangimento nem medo de o fazer em público,

e que se fodam os ornitorrincos!





O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE , FUMAR É PREJUDICIAL À SAÚDE

SE FODA,
.

TO NEM AI !


por Cleiner Micceno

domingo, 15 de novembro de 2009

Filme Alma Corsária será exibido no Cineclube CEUNSP - dia 17

O Cineclube CEUNSP exibirá no próximo dia 17 (Terça-feira), o longa-metragem Alma Corsária. O filme integra a programação de Encontros com Diretores. Será apresentada uma sessão gratuita, às 19:30 horas, com a presença do diretor Carlos Reichenbach.

A produção cinematográfica trata da história de dois amigos que lançam um livro de poesia em prosa. Para espanto do editor, a dupla convida para a noite de autógrafos tipos estranhos, como um suicida salvo da morte por um deles. A irreverente festa leva às lembranças de como os amigos se conheceram, nos anos 1950. O filme questiona se ainda há espaço para a arte num mundo dominado pelo consumismo e pela competitividade vil. Os personagens principais são os poetas Torres (Bertrand Duarte) e Xavier (Jandir Ferrari) inspirados respectivamente em Augusto dos Anjos e Cesário Verde. Torres e Xavier lançam um livro de poesia numa pastelaria do centro da cidade. A região conhecida como "Boca do Lixo" exerce um fascínio irresistível sobre o diretor Carlos Reichenbach, que busca aproximar-se de espaços marginalizados, pois lá residiria a alma da cidade, apesar da degradação aparente. Reichenbach cria diversos cortes temporais durante o filme, retrata a infância dos personagens no início dos anos 1960, mostra os conflitos ideológicos durante o regime militar e critica tanto a violência dos donos do poder quanto a fé cega em discursos tirados das cartilhas de Karl Marx, Stalin, Mao e outros.

O Público terá a grande oportunidade de conhecer um dos trabalhos mais importantes e criativos do cineasta.



A exibição será no dia 17 de novembro, às 19h30, no FCA do bloco K do Campus V do CEUNSP, em Salto.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Pale blue eyes

Pale blue eyes


No apartamento ao lado ele ouviu um barulho semelhante a uma furadeira, um som abafado e algumas marteladas, o vizinho tinha mudado a pouco e aparecia as vezes, era soturno e calado, um senhor idoso gordo e alto de olhos vividos e azuis muito frios, com poucos fios de cabelo branco que rodeavam sua cabeça calva. O barulho começara naquela manhã, muito cedo, péssima hora pra ele começar uma reforma ou seja la o que ele estivesse aprontando, depois de quatro horas insistentes de barulho ininterrupto tudo cessa, mas ainda era possível ouvir alguns murmúrios na parede contígua, como se duas pessoas conversassem, uma voz era muito baixa e contida, a outra não passava de um sussurrar abafado.

Walter só tentava cochilar um pouco, seu trabalho de vigia noturno em uma repartição pública havia terminado às seis horas da manhã e o barulho não o deixava dormir. Deu graças no momento que havia terminado.

Depois de conseguir dormir por uma hora, acordou sobressaltado com mais uma saraivada de barulhos, agora sons ocos, como pancadas em algo mole, e mais barulhos de furadeira - Maldito velho desgraçado!- Falou em voz baixa, cobriu a cabeça com um travesseiro. O martírio durou a tarde toda, perto das cinco horas cessou de vez, ouvia-se apenas umas poucas movimentações, o barulho de ferramentas e um farfalhar de algo sendo embrulhado. Após isso silêncio total.

Já era tarde, Walter teria que sair logo, para mais uma noite, que, sem ter dormido, seria muito longa.

Olhou-se no espelho do banheiro, suas olheiras estavam imensas, sentia seu corpo todo doendo, assim como sua cabeça. Comeu algo apressadamente e saiu para pegar seu ônibus.

No outro dia , às pressas, assim que deu seu horário, bateu seu ponto e correu porta a fora. Como havia previsto, foi uma noite terrível, cochilou varias vezes, tomou quase dois litros de café e tinha fumado dois maços de cigarro para manter-se acordado.

Depois de um longo percurso, chegou finalmente em casa, deitou-se na cama com roupa e tudo, apenas teve tempo de retirar os sapatos. Dormiu durante o dia todo, quase não acordou a tempo de sair outra vez para trabalhar. - Isso não é vida! – Disse em voz alta para si mesmo, sua situação era bastante frustrante, sua rotina era algo que se poderia chamar de monótona, muito monótona. Walter arrumou-se , pegou suas chaves e saiu, cruzou com o vizinho que o fez ficar o dia todo acordado no dia anterior na porta ao lado da sua, o velho estava carregando uma mala enorme que parecia ser feita de couro muito grosso. Ele olhou para o velho, pensou em dizer alguma coisa sobre os barulhos que o fizeram ficar desperto o dia todo, mas ao cruzar o olhar frio e pouco amistoso do velhote, se limitou a dar um aceno de cabeça, ao qual o velho apesar de seu olhar, respondeu com uma voz suave. – Boa noite. - com um carregado sotaque estrangeiro. Walter entrou no elevador e fez menção de segurar a porta até o homem se deslocar com sua mala, o velho fez um sinal para ele descer, assim que a porta do elevador foi se fechando, ele viu o sujeito começar a puxar sua mala em direção a escada, uma atitude estranha, já que ali era o nono andar e a mala parecia pesada. Saiu pensando sobre isso, mas durante a noite esqueceu completamente o assunto.

Duas semanas se passaram sem ouvir nenhum barulho do lado, nem reformas ou qualquer outra coisa, o velho nunca mais cruzou com ele em nenhum dia, melhor assim aqueles olhos azuis o deixaram amedrontado.

La pelas quatro da tarde, ouviu movimentação do outro lado da parede, de novo a furadeira, marteladas, e alguns gritos sufocados, que logo cessaram, isso chamou a atenção de Walter, que como seu trabalho era sempre estar alerta, achou aquilo estranho, os barulhos continuaram, mas agora eram apenas sons de serras e barulho de coisas caindo. Walter estava intrigado, alguma coisa não estava certa, foi assistir tv e tentou esquecer do caso. - Deve ter martelado os próprios dedos ou se ferido com uma serra, velho imbecil! – pensou isso enquanto comia um saco de salgadinhos sabor bacon e um copo de whisky sem gelo, deixou pra lá, afinal estava na véspera de seu dia de folga ele queria apenas descansar.

Os barulhos cessaram completamente por volta das nove horas da noite, e dessa vez eram baixos e já não incomodavam tanto quanto a primeira vez. Depois de assistir um filme ruim sobre um garoto em uma bolha, foi dormir, pensando no outro dia, que se tivesse sorte conseguiria sexo fácil com aquela amiga que vivia o convidando pra sair. Deitou-se por volta de uma da manhã. Algo caindo no chão, emitindo um som abafado , atravessou a parede, que o fez acordar de sobressalto. Ficou quieto, pra ver se era real ou algum sonho estranho, ouviu de novo, no apartamento ao lado, um som surdo de algo grande despencando, levantou-se e foi até a parede pra ouvir melhor, ouviu um sussurro provavelmente um xingamento, em uma língua que ele achou ser alemão. Pouco depois ouviu a porta da frente de seu vizinho se abrindo, foi até a entrada, tentou olhar pelo visor da porta, só conseguia ver um pedaço do terno escuro do velho que aparecia de relance, até que ele apareceu inteiro na porta e era possível ver a grande mala que ele tinha saído naquele dia fatídico, há duas semanas. Viu o velho olhar para os lados, puxar a grande mala em direção as escadas. Isso fez Walter correr até o quarto colocar uma calça e sair pela porta a fora, decidiu que iria saber o que estava acontecendo. Afastou-se do apartamento e desceu devagar pelas escadarias, não queria ser notado, viu o velho dois andares a baixo, puxando a grande mala com muito esforço, e parando para limpar o suor do rosto com um lenço.

Ele seguiu com a carga até o subsolo, onde ficava a garagem do edifício, o observou seguindo por uma parede, sempre atento se havia alguém, parou em frente de uma van preta, sem janelas na parte de trás, abriu a porta lateral e lançou sem nenhum cuidado, a mala no seu interior. Embarcou , acendeu um cigarro, saiu devagar pelo portão afora, Walter não dormiu aquela noite.

Agiu como se estivesse trabalhando, ficou a noite inteira próximo à porta esperando o regresso do velho. Caiu no sono la pelas sete da manha e nada, foi para a cama, cochilou mais umas duas horas, acordou e saiu, para encontrar a sua amiga.

Voltou para a casa não eram nem três da tarde, seu encontro tinha sido um desastre total, ficou pensando no velho e na mala durante todo encontro, e nem a transa ele tinha conseguido, não conseguia se concentrar e achou melhor voltar pra casa, mesmo com os protestos dela, mais duas semanas, no mínimo sem sexo, esse pensamento o deixou ainda mais irritado pela sua própria estupidez. Fez um lanche rápido comeu sem vontade, tomou café acendeu um cigarro e decidiu dar uma checada no apartamento do lado. Primeiro colou o ouvido na parede, nenhum barulho aparente – Filho da puta! – sussurrou , saiu e olhou para os lados ninguém no corredor, foi até a porta do velho, tentou olhar pelo visor e ver se conseguia divisar algo dentro do apartamento, ficou olhando, e só conseguia ver uma parede branca, ouviu a porta do elevador abrindo atrás de si, saiu rápido e fez que abria seu próprio apartamento, eram apenas os vizinhos da frente. Será que eles não ouviram nada?Entrou outra vez, tomou mais um copo de café, estava decidido a saber o que estava acontecendo. Passaram-se mais uns dias, nada do velho, sua rotina tinha voltado ao normal, mas o pensamento que estava acontecendo algo estranho ainda o assaltava durante a noite, enquanto estava entediado em suas rondas noturnas. - E se ele fosse algum psicopata?, um assassino? ou qualquer outra coisa? - Igual ao que ele havia visto num filme do Hitchcock, ele precisava saber e informar a polícia, mas tinha que ter alguma prova, algo palpável para denunciá-lo sem parecer um idiota caso não houvesse nada demais e o velho só fosse um cara esquisito.

Já fazia duas semanas depois do ocorrido, nenhum barulho e nem sinal do velho, Walter assistia todos noticiários e lia todos jornais para ver se havia alguma nota sobre desaparecimentos ou qualquer coisa que pudesse indicar o que estava acontecendo, e nada, literalmente nada fora do normal, nas noticias que viu.

Estava sentado na cozinha perdido em seus pensamentos, vendo um programa de esportes, quando ouve a porta se abrir no apartamento do velho, seu coração disparou, ele colou os ouvidos na parede e ouviu conversa do lado, como sempre ele só ouvia murmúrios, resolveu ir até a porta e pedir algo, e tentaria ver no interior dos aposentos. Saiu com passos largos , abriu a porta respirou fundo, tentou olhar pelo visor e não conseguia ver nada alem da parede, resolveu tocar a campainha. Passaram-se uns segundos, passos se aproximaram e abriram apenas uma fresta da porta, os olhos azuis apareceram e olharam Walter de cima a baixo, e sua voz suave perguntou – O que deseja ? – Com o forte sotaque aparente. – Ola sou seu vizinho, já nos cruzamos algumas vezes aqui...- sua fala foi cortada pelo velho – Ya , sei quem o senhor ser, meu nome é Udo, em que posso ajudar , senhor...- Walter – disse emendando rapidamente o vigia, - Só queria ver se o senhor tem pregos para emprestar, estou querendo colocar um quadro... Acabaram os pregos e como ouvi barulhos de reforma, imaginei que o senhor pudesse me emprestar alguns ... – O velho nem ouviu toda explicação e disse – Desculpe senhor Walter mas non tenho pregos, infelizmente... Passar bem que tenho muitas coisas para fazer, boa tarde. - E a porta se fechou sem maiores cerimônias.

Walter voltou ao seu apartamento – Pregos,onde eu estava com a cabeça, Pregos, que merda de idéia seu estúpido- Entrou falando para si mesmo em voz baixa.

Naquele dia os barulhos foram abafados e insistentes até muito tarde, cessaram de vez no meio da madrugada. O velho saiu com a mala, sozinho de novo, fez o mesmo percurso pelas escadas e tomava sua van preta, deixando um Walter escondido na penumbra do estacionamento cada vez mais curioso.

Ele acordou no outro dia e pensou sobre a freqüência das idas do velho ao apartamento que estavam se tornando cada vez mais esporádicas, o velhote não parecia que morava ali do lado, mas aparecia de vez em quando pra fazer alguma coisa, isso o deixou ainda mais intrigado e mais uma vez havia sido no dia de sua folga, sua amiga teria de esperar um pouco mais e ele um pouco mais por sexo, desistiu de ir vê-la naquela tarde, alegou que estava com febre e resolveu que iria entrar na casa do velho. - Ele não vai voltar tão cedo, então, irei acabar de vez com essa merda toda – Merda essa que estava fazendo ele virar um zumbi. Ele foi até a porta do lado, analisou a fechadura, era igual a sua, voltou até sua casa, pegou algumas ferramentas, tinha aprendido a abrir portas por causa da profissão. Repassou sua idéia varias vezes, iria entrar, e revistar a casa sem levantar suspeitas, e sairia de la tão depressa quanto fosse possível.

La pelas onze da noite, aproveitando a calmaria, resolveu por seu plano a prova, saiu sorrateiramente de seu apartamento, sem fazer barulho, colocou a ferramenta dentro da fechadura, abriu e entrou. Ainda na escuridão trancou a porta por precaução, caminhou pelo corredor, acendeu a luz da sala, entre os poucos moveis viu a janela coberta por cortinas grandes e grossas de plástico preto, na sala toda existia apenas uma cadeira de dentista, e plástico cobrindo todo o chão, uma imagem assustadora para uma sala, uma pequena mesa e uma pilha de jornais velhos.

Walter foi até o quarto que estava fechado ao abrir a porta, acendeu as luzes e viu dentro do aposento, uma prateleira com várias ferramentas, todas provavelmente usadas por dentistas e médicos, martelos cirúrgicos, serras e uma furadeira, uma cena horripilante para ele que sempre teve medo de dentistas. Procurou por sinais de sangue, não encontrou nada, simplesmente não havia nenhuma marca, nenhuma mancha, nada, só um lugar excessivamente limpo e organizado. Foi até o banheiro, tudo branco, extremamente limpo, sem sinal de algo estranho.

Fechou a porta e foi até a cozinha, onde havia apenas uma geladeira e um fogão, procurou por tudo, nada como no resto da casa, ao abrir a geladeira se depara com um pacote, um embrulho em plástico preto, como um saco de lixo, pegou e abriu com cuidado, assim que o desfez, Walter quase vomitou, na sacola estavam vários dentes, com pedaços de carne ainda grudados em suas raízes, devia ter pelo menos uma centena deles ali, horrorizado quase vomitando, fechou o pacote e colocou no mesmo lugar. Ele precisava sair dali e conversar com alguém sobre aquilo, saiu da cozinha atordoado, quando ouviu um virar de chaves na porta de entrada, seu coração quase parou de bater, desligou a luz e entrou no banheiro, ficou la encolhido, com respiração muito leve, tentando observar pela porta, estava petrificado de medo sem saber o que faria se fosse descoberto.

O velho entrou e com ele tinha alguém, parecia um bêbado de rua, já bastante alcoolizado, os olhos azuis tinham um brilho glacial. Udo ou seja la qual fosse seu nome, conversava com sua voz suave com o bêbado, falando que logo ele teria sua bebida, - Sente-se no cadeira ali – Disse apontando para a cadeira de dentista, o bêbado murmurou qualquer coisa e sentou-se – Isso é de dentista doutor – disse o bêbado – É que eu não ter muitos móveis aqui ainda, pode sentar-se ai, que já levo seu bebida- o bêbado não só sentou-se como se deitou de forma displicente.

Udo saiu da cozinha com um pano em uma mão e uma garrafa na outra, chegou por trás e colocou com força o pano no nariz do homem que se debateu por alguns segundos e logo ficou inconsciente, o velho colocou a garrafa do lado, de clorofórmio provavelmente, abriu a mala grande e de la tirou uma máscara, um par de luvas cirúrgicas, uma capa de chuva transparente foi até a cozinha, e voltou vestido com a capa e as luvas, passou pela porta do banheiro, Walter tentou se esconder, mas não foi preciso, ele passou sem olhar para o banheiro, foi direto até o quarto da prateleira de ferramentas, trouxe consigo algumas coisas metálicas, umas serras e umas faixas, que foram usadas pra prender os braços e pernas do homem na cadeira. Colocou uma trava que mantinha a boca do infeliz aberta, um fórceps ou algo assim que mantinha o maxilar horrivelmente escancarado. Udo com seu olhar quase entediado, começou a bater no rosto do bêbado agora todo imobilizado, fazendo-o acordar, os olhos do homem abriram e depois de uns instantes, foram tomados por terror, quando o velho começou a falar de forma bem pausada e sussurrante, - Agora você ter que ficar quietinho, que doutor ter que fazer uma pequena extraccion de algumas dentes ruins - O homem tentava gritar mas só saiam sons guturais, que foram abafados por um chumaço de algodão, fazendo o sujeito se debater e tentar se soltar. Walter queria salvar o homem, pensou no que poderia fazer, sair devagar do banheiro e golpeá-lo com alguma coisa, enquanto criava coragem o suposto Dr Udo, estava começando a arrancar um dente com uma espécie de alicate, o desespero e os gritos de dor excruciante entravam nos ouvidos de Walter como se perfurassem os tímpanos, estava enojado e horrorizado com aquela tortura que estava presenciando, imaginando como um ser humano poderia fazer uma coisa assim, viu o primeiro dente sair e ser colocado em uma vasilha de metal com um suspiro de satisfação do velho, que começava a arrancar outros dentes. Walter procurou algo no banheiro e viu apenas um rodo, lembrou-se de suas ferramentas para abrir a porta, serviriam se ele fosse pego de surpresa, poderia tentar feri-lo ou derrubá-lo, afinal ele era apenas um velho, devia ter trazido sua arma, mas agora era tarde, tinha que agir com o que tinha em mãos. Saiu do banheiro, com o objeto que parecia uma chave de fenda delgada nas mãos, ao sair fez barulho demais e o velho olhou em sua direção, o homem amarrado na cadeira tinha a boca toda ensangüentada, em seus olhos o desespero estampado, clamava ajuda.

Walter correu em direção do velho que sem perder o brilho frio de seus olhos apenas falou, - Eu já esperar você – E puxou uma arma que estava perto de suas mãos, ao lado da cadeira, com um silenciador o barulho não foi maior que um espirro, acertando o joelho de Walter que caiu gritando de dor, que foi logo cessada por um pano cheio de clorofórmio em seu rosto.

Alguns minutos depois Walter acorda, amarrado no chão, com seu joelho inutilizado, vê Udo terminando de arrancar os últimos dentes do homem já totalmente inerte de dor, só sabia que ele estava vivo por causa dos olhos que ainda estavam abrindo e fechando, é impossível saber, quanto de dor um homem pode agüentar antes de desmaiar ou morrer. Depois de terminada a tortura dos dentes, o velho de olhos azuis congelantes levanta e com voz macia diz, -Você se perguntar como eu desconfiar de seu visita, sr Walter, eu colocar tudo no devida ordem, ser meticuloso com detalhes, pena a senhor não ser tanto, enton foi fácil... - E enquanto falava ele pegava, uma serra afiada usada em ortopedia, e começou a cortar a perna do homem que estava na cadeira, enquanto o sangue escorria pelas bordas brancas da cadeira, o homem tentava gritar, e Udo apenas apertava mais o chumaço de algodão na boca impedindo os gritos, Walter horrorizado tentava se soltar tentava gritar mas estava amordaçado e também com algodão na boca, o velho apenas continuava sua ladainha - Agora sr Walter eu ter que fazer cortes precisos, meu mala ser grande, mas ter tamanho certo para caber tudo, eu ser um homem que gostar de tudo limpa e organizada... – A serra continuava seu trabalho os pedaços de carne e o sangue ia caindo no chão coberto com plásticos, o homem já tinha apagado, a dor fora demais para ele, e uma náusea enorme atingiu . – Eu non gostar de bisbilhoteiras, já estar aqui nessa prédio imunda exatamente por achar que non ter problemas, mas o senhor ser muito curiosa, já ouviu falar que curiosidadi matar o gato sr Walter?- Enquanto falava Udo serrava os ligamentos, ossos e nervos com uma precisão cirúrgica, com um prazer estampado em seu rosto doentio e na calma com que falava, com suas sobrancelhas crispadas enquanto virava-se para o vigia que estava fora de combate na parede do apartamento – O Senhor achar mesmo que eu non notar nada de diferenti em meu próprio casa? O senhor ser muito inocenti, e mais idiota ainda de ficar aqui, notei seu vulto na banheiro e me preparei para recebê-lo no hora apropriada, infelizmente non esperava o senhor e terei de fazer como vocês dizem... seron... mas non me importar, sempre bom ter mais clientes. Espero que gostar da tratamento e do hospitalidade senhor Walter. - o vigia já imaginava sua vida chegando ao fim naquela noite horrível, nas mãos de um psicopata de olhos frios e fala mansa, sua cabeça começo a rodar e ele desmaiou a vertigem foi levando as palavras pra longe até que veio a escuridão total.

Acordou sem saber que horas eram, ele estava agora no lugar onde o bêbado estivera momentos antes, sua boca estava travada com o fórceps e ele estava impossibilitado de se mexer e falar, Udo estava a seu lado, com a luz da cadeira direcionada para seus olhos ele só conseguia ver o rosto fantasmagórico do velho quando entrava na frente da luz, que o cegava. – Ainda bem que acordar, senhor Walter, você querer pregos, ter alguns aqui, poder emprestar para o senhor, non se preocupar em devolver, como disse eu ser metódica, hoje ser seu dia de sorte, abri um horário só para senhor e te dar uma tratamento especial. - E uma dor lancinante percorreu o corpo de Walter, o alicate forçava seus dentes, e em uma tração rápida um deles saltou, e tudo estava apenas começando a luz incidia em seus olhos marejados pela dor e pela claridade, ouviu o som de furadeira que o havia acordado tantas vezes, imaginou as pessoas antes dele, o sofrimento enquanto aquele lunático brincava com brocas e alicates. A furadeira perfurava seus dentes molares, com brocas finas, destruindo as gengivas, o sangue respingava em sua capa transparente, agora já cheia de manchas de sangue , seu sangue e da outra vítima, com uma coloração mais castanha, seu grito ficava sufocado na garganta, não podia respirar direito, a dor e a sufocação o estavam fazendo perder os sentidos, o barulho da furadeira era ensurdecedor, enquanto penetrava de forma violenta em seu palato, os olhos azuis foram se tornando cada vez mais embaçados, tudo foi ficando turvo e a voz do velho se tornava distante de novo, ele agora sabia o quanto de dor uma pessoa poderia agüentar, e tudo ficou escuro, a voz se perdeu na escuridão e seus olhos só abriram já inertes, com a vida se esvaindo quando uma serra cortava sua carne dilacerando seus braços, depois disso a escuridão se tornou eterna...

Já estava quase amanhecendo o velho fazia seu percurso pela escada, chegou ao subterrâneo, abriu a porta lateral da van, jogou a mala enorme la dentro, acendeu um cigarro, entrou na van, fechou a porta e disse - Maldito escadaria, devia ter comprado apartamenta mais embaixo, descer duas vezes na mesma dia está acabando com meus costas! - Colocou a chave na ignição e saiu calmamente pelo portão do prédio.

Pensou em passar no quiroprático mais tarde, depois de tomar um café na sua padaria preferida...


por Cleiner Micceno