quinta-feira, 17 de março de 2011

Irritação, aspirinas e escadarias

escada Dia maldito. Pensei comigo. Já estava subindo o terceiro lance de escadas. O prédio estava, mais uma vez essa semana, sem energia elétrica. Pelo menos moro no quarto andar. Pior é seu Zico que mora no décimo quarto, acabei de vê-lo na padaria com três sacolas. Pensar nisso me alegra um pouco, me ajuda a subir. Um sorriso maroto escapa de minha boca imaginando o velho tendo de subir tudo isso todo ferrado.

Sei que isso parece errado, ainda mais com toda essa baboseira de politicamente correto por ai , mas foda-se, meu único momento de triunfo essa semana é saber que consegui ser melhor que um velho de sessenta e sete anos e ninguém tira isso de mim. Já estava quase morrendo na escada quando cheguei a porta que dá acesso ao meu andar,  ai passa o velho Zico, atrás de mim com todo vigor e ainda me cumprimenta alegre:

- Olá vizinho, um pouco de exercício sempre é bom né? E sobe cantarolando uma música dessas que são horrendas mas que grudam na cabeça. Eu fiquei lá, pasmo , esgotado e ouvindo o filho de uma boa puta subindo cantando algo como “o movimento é sexy, o movimento é sexy...”

- Desgraçado, você pelo menos podia ter um bom gosto musical! Lógico que não gritei, mas resmunguei isso enquanto abria a porra da porta. Abri meu apartamento ainda remoendo a situação. Meu apartamento parece que foi acometido por um furacão, e esse era para ser meu pódio depois de minha subida do Everest de quatro andares, mas o Zico tirou esse gosto de vitória de minha boca.

Fui para o banheiro tomar um merecido banho. Abri a torneira e fui bombardeado por agua gelada. - Maldito seja! Esqueci dessa merda sem força! Tomei um banho frio a contragosto, e cantarolando “o movimento é sexy, o movimento é sexy...” que porra essa merda gruda na cabeça vontade de jogar o Zico e suas cantorias pela janela do décimo quarto.

Terminei o banho e a maldita cantoria. Uns cinco minutos depois a luz voltou. Eu me peguei xingando a luminária. Ela não ligou.
Clara viria aqui hoje para conversarmos, eu já estava todo animado, pois a gente não tinha transado ainda e hoje acho que seria o dia do abate. Que horrível falar assim, acho que vou usar termos mais poéticos para me referir a Clara que é uma mulher mais fina, vamos fazer amor, acho que fica mais bonito e mais romântico.

Preparei tudo, vinho no gelo, velas, parece romântico, mas as velas comprei por causa das constantes faltas de luz elétrica. Fiz um ensopado à moda espanhola que é minha especialidade, comprada na esquina, logicamente feita por alguém que sabe cozinhar que não é meu caso. Preparei tudo arrumei a casa do jeito que deu, tava tudo mais ou menos certo. Clara chegou, deslumbrante em um vestido hippie de butique, parecia até um lindo abajur que vi na rua outro dia.



Ela estava meio inquieta, pedi para ela se sentar na mesa à luz de velas e com as taças prontas para serem enchidas. Ela disse que queria falar algo importante, eu retruquei que devíamos comer antes e falaríamos durante o jantar. A verdade era uma só, pra falar a verdade duas, uma que eu tava morrendo de fome e a outra que eu queria que ela bebesse logo para “fazermos amor”. Clara entre uma garfada do ensopado e um gole do vinho me disse que tava tudo terminado: - Po, tá bom esse ensopado hein, ah acho que não rola de ficarmos mais juntos, era isso que queria te dizer, sei lá perdi a vontade.

Quase perguntei se ela queria mais vinho com ou sem arsênico. Eu fiz cara de paisagem, tentando fazer a pose mais blasée possível, queria mostrar que também era um cara moderno, adulto, que lida bem com essas coisas. Mas no fundo tava era puto da cara, imaginando: - Fazer amor o caralho, fina só se for lá na cadeia, porque ela sozinha devorou quase todo ensopado. Eu perdi a fome para ser sincero.

Eu tinha ficado semimudo enquanto ela tagarelava horrores. Ela olhou para o relógio viu a hora e falou:

- bem vou nessa nos vemos por ai, valeu pelo rango depois precisa me passar a receita! Se levantou da mesa tacou um palito de dente na boca e saiu. Eu fiquei lá parado olhando a cena, devia ter falado pelo menos que a receita é do cara do barzinho da esquina, eu devia ter falado tudo que achava daquela situação, mas fiquei quieto e lavei os pratos.

Depois de lavar os pratos fui tomar um gole do vinho afinal eu tinha desistido de beber antes. A campainha toca, eu imaginei: - Será que ela resolveu voltar e “fazer amor”? Ledo engano era só o Constantin que tava de passagem.
- E ai George, tava sem nada para fazer mesmo, resolvi dar uma passada ver se você tem uma birita ai, ou algo assim.

Filho da puta, veio filar um rango! mas só imaginei

- Tudo bem Constantin, a Clara acabou de me dar um fora, ia mesmo beber...

- Porra cara que merda hein, o que você tem ai para comer?

Quanta preocupação com minha pessoa né seu filho da puta – imaginei mais uma vez.

- Tem um pouco de ensopado do bar do seu zé ali, ou pelo menos o que restou dele depois da passagem da clara pelas panelas.

- Porra, só tem uma Merreca, posso pegar uns biscoitos e um pão ali para dar uma aumentada no rango?

Porque você não leva também meu dinheiro? Imaginei de novo.

- Pode e para de me encher quero tomar um porre.

- Po legal, posso acompanha-lo ? Também to a fim de tomar um porre.

Claro, sou eu que to pagando né desgraçado! – imaginei pela quarta vez.

- Tudo bem, to ali na sala quando terminar ok? Enchi um copo de vinho com o que sobrou da garrafa, entornei com tudo, mas não tinha sobrado muita coisa, a Clara parecia um enxame de gafanhotos. Fui até ao armário e peguei a única coisa bebível que tinha lá, uma garrafa de uísque Green Valley, era terrível. Já tomei uns analgésicos junto para me prevenir da dor de cabeça. Ou seja meu dia ainda estava uma merda.
Constantin tava comendo diretamente na panela, já se serviu de uma dose de Green Valley e disse.

- Porra que merda hein? Veneno puro! Falou isso e se serviu de mais uma dose.

Reclamei da vida com Constantin, que pelo menos serve para isso, ele não fala quase nada que preste, mas pelo menos presta atenção. Ai ele foi embora lá pelas três da manhã, de porre. Pelo menos o Green Valley propicia isso.

Fui dormir. Nem o porre e nem os analgésicos tinham ajudado, pois a dor de cabeça começou a se avizinhar e eu não conseguia dormir. Enquanto estava deitado rolando na cama comecei : - “O movimento é sexy, o movimento é sexy...”

- Cacete!  Zico filho da puta.
Escrito por Cleiner Micceno ( dedicado ao grande amigo Rick Pacheco)

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