Desisti de tudo! Berrei isso em voz alta, mas logo depois calei a boca quando vi o olhar de desaprovação de meu periquito.
Não podia mais entender todo aquele lance metafisico que estava lendo, os porquês da alma, da vida, da situação mundial e a alta do aluguel. A situação era desesperadora. Porque ninguém fala tudo de forma simples, como o quitandeiro que coloca lá: Uma dúzia de laranjas por 3 reais.
Assim realmente não é possível. Kierkegaard, falava e falava em relações da vida, como viver pode ser um eterno confronto e todas essas coisas e ele não sabia cozinhar uma receita de lentilhas decente.
Já estava ficando enjoado dos alemães amargurados, dos franceses que andavam de boina e falavam que suas calças não podiam ter mais que duas pregas em cada perna.
Gritei outra vez :
- Soluções! Cadê soluções! Meu periquito já tinha desistido, estava lendo a coluna de esportes no fundo da gaiola. Andei de lado a lado em minha sala, uma verdadeira maratona de um homem só. Segundo os gregos e os romanos exercícios fariam meu cérebro ativar e ter ideias luminosas. Pena que elas não consigam iluminar o corredor escuro que sempre tropeço.
Mas já havia decidido desistir por hora de minha busca incessante por respostas. Não diria que foi uma capitulação formal, apenas uma trégua. Quem sabe Freud me desse explicações mais interessantes, mas achei ele muito neurótico. Estava pensando seriamente em virar ermitão, um Zaratustra moderno,em uma caverna com meu periquito e quem sabe, eu roube o pequinês da vizinha e o levaria junto. Ou talvez como Platão, e fique vendo sombras em uma caverna... Não, isso não funcionou com tia Alda, e ela fica na frente da TV há anos.
Mas isso durou o equivalente a uma dose de café com duas colheres de açúcar. E já voltei ainda mais confuso. Tem de haver alguma saída! Quem sabe está na bebida? Vários intelectuais, escritores, poetas, o homem da banca de jornal e o meu apontador de jogo do bicho são bons exemplos de como isso funciona... Não acho que não. Intelectuais são muito chatos e a maioria usa óculos, tem sempre alguma coisa errada.
Peguei meu casaco e um guarda-chuva, e sai desabalado para a rua, com passos firmes. Voltei porque tinha esquecido a carteira, tomei um copo d´agua e sai resoluto, estava calor e um sol de rachar, me xinguei mentalmente e fiz uma anotação abaixo do cerebelo: Olhar o tempo antes de sair para não ficar carregando casaco e guarda-chuva sem necessidade. Mas eu estava impávido e orgulhoso demais para retornar mais uma vez. Segui em frente, caminhava a passos rápidos, decididos até que me dei conta que não sabia onde estava indo. Parei no sorveteiro, reclamei da vida enquanto tomava um sorvete de creme, ele apenas me observava com olhar esperançoso de ganhar uma gorjeta. Vi ali na profundeza de seus olhos rasos d´agua quando pedi o troco de 20 centavos a resposta de minha questão. O que eu procurava não estava na ciência nem no conhecimento humano, eu precisava encontrar Deus e lhe perguntar pessoalmente por que tinha tanta coisa sem resposta. Saí às pressas, mas o sorveteiro me chamou, eu havia esquecido o guarda-chuva. Eu o agradeci e falei :
- Vou à procura de Deus achar respostas.
Ele olhou para mim com cara de tédio e me disse
- ok, se O encontrar mande lembranças e diga que ainda espero aquele Opala 84 que pedi em 85.
Sai pensando em suas palavras. As coisas cada vez ficavam mais claras em minha cabeça. Como pude ser tão materialista, ter esquecido a fé e as coisas boas.
Virei a rua mais próxima e fui direto a Igreja das Causas Perdidas. Quem sabe não acharam por acaso a minha resposta e talvez aquela linda capa de gabardine que ganhei do tio Tonico.
Fui direto à entrada e perguntei ao coroinha que estava lá de bobeira, tirando uma soneca. O cutuquei e já perguntei onde estava Deus. Ele respondeu de pronto.
- Ixe, tá aqui não senhor, agora é hora do almoço, acho que só volta lá pelas quatro e meia, se é que volta.
Não podia me dar por vencido, afinal ele nem devia saber dos desígnios de Deus, era só um subalterno, precisava falar com alguém mais gabaritado, então bradei:
- Onde está o padre? Preciso vê-lo agora!
Ele respondeu com a mesma complacência depois de coçar a cabeça e a orelha:
- Ixe, o padin Bento volta lá pelas duas... Se é que volta.
Vi que ele não seria de grande ajuda. Estava amargurado demais para discutir, fui direto nave à dentro.
Encontrei uma beata no caminho e nem dei boa tarde, já perguntei direto segurando ela pelos colarinhos ou seja lá qual o nome daquilo que segurei:
- Onde está o padre?
Ela assustada ainda tremula me mostrou uma salinha contigua com o dedo indicador. Larguei a velha e corri em direção a saleta que estava com uma espécie de biombo, vi o padre entornando uma cachaça, bati com o punho na mesa derrubando metade do copo dele e disse:
- Onde está Deus, preciso falar com ele agora mesmo!
Ai o padre me olhou como se aquela fosse a pergunta mais normal por ali, completou de novo o copo que eu tinha derramado com mais uma generosa dose de cachaça, bebeu em um gole e depois de me olhar de cima a baixo perguntou:
- Filho você esta doente? Está muito calor para usar casaco e... Tampouco chuvoso para guarda-chuvas.
Eu estava ofegante e pálido, mas a única doença que tinha era minha pergunta: qual o sentido da vida? Só Deus podia me responder isso. E justo naquele dia fui encontrar um burocrata, que só estava dificultando minha vida.
- Padre preciso falar com Deus, é urgente!
- Calma meu filho, você veio em um péssimo dia, Deus está constipado e acho que vai tirar o resto da semana de folga, ouvi falar alguma coisa de ir ao Guarujá ou algo assim...
-Como assim, eu desesperado precisando falar com ele, como ele pode fazer isso?
- Mas meu filho o que lhe aflige, quem sabe não possa te ajudar afinal eu sempre fico por perto Dele, e já sei até o que ele fala para as pessoas, ele é um pouco repetitivo na maioria do tempo, reze isso, não faça aquilo, de a outra face, essas coisas, há uns dois mil anos é sempre a mesma ladainha, até já decorei...
- Padre preciso saber o sentido da vida, já tentei doses cavalares de filosofia, de psicologia, de literatura escandinava e ritmos tropicais. E nada, literalmente nada respondeu minha pergunta, só vieram mais questões. Estou nesse dilema há anos, e hoje realmente eu me esgotei, a única coisa que me faltava era vir falar com Deus, sei que ele é um cara ocupado, tem muita gente O chamando por ai o tempo todo, mas preciso de respostas, estou enjoado de ver pontos de interrogação correndo comigo em uma competição em meus sonhos, eu tropeço em uma casca de amendoim, algumas vezes eles me sabotam jogando batatas, e esses trapaceiros sempre vencem. Você sabe o que é isso padre? Não padre Você não faz a mínima ideia...
O padre olhou com cara de dó para mim. Eu já estava tão abatido que já não era mais humano, era só uma figura metafisica em diluição. Já estava duvidando que eu era realmente eu. Já me achava um dos três porquinhos, aquele mais azarado... Ou seria um dos anões da branca de neve? Ah tanto faz, estava metafisicamente exausto demais para me preocupar com detalhes.
- Meu filho, por que não disse logo, vem gente todo dia aqui perguntando isso, espere um minuto... Tome esse papel, fizemos xerox reduzido para economizar sabe como é, as pessoas não tão dando mais dinheiro na caixinha ... Ele ia dizendo isso e pigarreando.
Dei dois reais para o padre, afinal ele ia me dar a resposta que tanto almejava.
Peguei o papel dobrei e coloquei no bolso e o padre me disse mais algumas palavras.
- Foi escrito pelo próprio Deus, a letra dele não é muito boa, Ele escreve muito torto por linhas certas, mas dá pra entender... Se quiser vir outro dia para falar com Ele, marque horário na recepção, mas te aviso, ele demora em atender, geralmente sempre arruma uma desculpa e sai pelos fundos, não sei, mas acho que Ele já não é mais o mesmo. Semana passada tivemos que ir busca-lo em um bingo clandestino, tinha perdido toda a doação da semana...
Interrompi as divagações do padre e perguntei de minha capa de gabardine do tio Tonico e falei do Opala 84. Nada nem de um nem do outro. Virei as costas e fui embora, deixei o padre falando sozinho, porque vi que se ficasse mais tempo ali eu ia ter que desembolsar mais grana. Cruzei a beata que correu quando me viu. O coroinha estava dormindo de novo.
- Porra ninguém trabalha por aqui, só a beata, isso é exploração, alguém devia dar um livro do Marx para aquela mulher! Falei em voz alta, o coroinha só abriu um olho virou de lado e voltou a dormir
Sai para a rua, a luz do sol me cegou por uns instantes. Peguei aquele papel xerocado em meu bolso, abri e lá estava escrito:
Sentido da vida
logo abaixo tinha uma simpatia para dor de dente e uma receita de bolinho de bacalhau de Maria Madalena. No final estava assinado:
Deus
com firma reconhecida e tudo. Eu acho que Deus realmente não era mais o mesmo.
Comprei um bacalhau e fui para casa desolado. Olhei para o periquito, acho que queria uma nova folha de jornal no fundo da gaiola, ele não aguentava mais ver a cara do Pelé naquela página de esportes que falava da copa de 70.
Troquei o jornal por uma notícia mais animada, alguma coisa sobre palestinos dançando em uma fogueira na Faixa de Gaza ou algo assim, periquitos não entendem nada de politica internacional mesmo.
Não sei por que, mas liguei marcando uma hora no meu dentista. É que tenho antipatia por simpatias...
Escrito por Cleiner Micceno
HAHAHAHAHAHAAHAHAHAHA
ResponderExcluirMARAVILHOSO! FANTÁSTICO!
a coisa mais bem humorada que não leio faz mó cota!
abraços!
opa agradeço o elogio, nesse dia eu acho q estava um pouco mais humorado que de costume, hahahaha
ResponderExcluirapareça sempre as vezes tem contos novos, quando eu tenho tempo para escreve-los abrss
Muito bom... Apesar de ver na imagem do padre o véio boneco, ele é bem mais cara de pau.
ResponderExcluirA beata, só ela trabalha mesmo...
Gostei!
Massa...O carnival reacendeu as idéias :) Gostei! Abraço.
ResponderExcluiropa valeu galera, vamos escrevendo sempre ai, ja tem conto novo no blog
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