segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Psicose completa 50 anos

Maior sucesso de bilheteria de Hitchcock, "Psicose" completa 50 anos

EUCLIDES SANTOS MENDES
da Folha de S.Paulo

Quando lançou "Psicose", em 1960, o cineasta inglês Alfred Hitchcock (1899-1980) já era um nome consagrado em Hollywood, autor de obras-primas como "Rebecca, a Mulher Inesquecível" (1940), "Janela Indiscreta" (1954) e "Um Corpo Que Cai" (1958).

Porém, "Psicose" lhe proporcionou ainda mais notoriedade, tornando-se seu filme mais célebre.

Para o pesquisador norte-americano Philip Skerry, autor de "'Psycho' in the Shower -The History of Cinema's Most Famous Scene" ("Psicose" no Chuveiro - A História da Mais Famosa Cena do Cinema, ed. Continuum, 316 págs., US$ 19,95, R$ 36), trata-se de um filme experimental e revolucionário.

Isso se deve, diz, sobretudo à sequência de 45 segundos em que cortes instantâneos na montagem pontuam a violência com que Marion (Janet Leigh) é assassinada enquanto toma banho num hotel de beira de estrada.

Em entrevista à Folha, Skerry diz que essa cena é "a mais importante e significativa da história do cinema".

Ele lembra que, ao ver "Psicose" pela primeira vez, em 1960, ficou traumatizado com a intensidade do sexo e da violência na tela, principalmente na cena do chuveiro. Contudo, hoje percebe o quanto o filme rompeu tabus, redefiniu a relação do cinema com o público e contribuiu para a popularização de gêneros como o terror.


Reprodução
Cena do filme "Psicose"
Cena em que Marion (Janet Leigh) é morta enquanto toma banho num hotel; filme é o maior sucesso de Hitchcock

FOLHA - Qual a influência da cena do chuveiro em "Psicose" na história do cinema?
PHILIP SKERRY - É a mais importante e significativa da história do cinema não só por sua descrição gráfica do sexo e da violência, que questiona o poder do código de produção, mas também pelo seu estilo de montagem, que conduz ao corte instantâneo, que é tão predominante no cinema atual.

FOLHA - Como ela alterou a sensibilidade e o estilo da narração cinematográfica e ajudou a definir o gênero do terror?
SKERRY - Pela inextricável mistura de sexo e violência e pela sua combinação com temas tabus, como necrofilia e incesto. "Psicose" transgrediu tabus e, ao mesmo tempo, fez disso algo excitante.

FOLHA - A sequência do assassinato de Marion no chuveiro levou sete dias para ser filmada, com 70 posições de câmara diferentes para 45 segundos de filme e uma dublê. Por que tanto empenho de Hitchcock nessa sequência específica?
SKERRY - Ele entendeu que ela poderia ser revolucionária e que o estilo poderia ser um experimento no cinema.

FOLHA - Em entrevista a François Truffaut, o diretor inglês disse que decidiu fazer o filme devido ao "caráter repentino do assassinato no chuveiro". A cena representa alguma ruptura na sua filmografia?
SKERRY - "Psicose" é, de fato, diferente dos outros filmes que Hitchcock fez nos anos 1950.

Devido às experiências com seu programa de televisão, "Alfred Hitchcock Presents", ele entendeu que havia um novo público, que esperava que os filmes fossem mais explícitos, mais maduros no tema.

Ele também entendeu que o código de produção perdia seu domínio sobre o conteúdo do filme. No final dos anos 1950, Hitchcock percebeu que filmes de baixo orçamento e de terror encontravam espaço em meio a esse novo público --e também davam dinheiro.

FOLHA - Quando o sr. viu "Psicose" pela primeira vez? Qual foi a sua primeira reação diante do filme? O que achou da cena do chuveiro?
SKERRY - Eu o vi quando foi lançado, em 1960 [tinha 16 anos à época] e fiquei traumatizado com o sexo e a violência, mas estimulado a escrever sobre ela muitos anos depois.

FOLHA - Nas entrevistas para o seu livro, que o sr. realizou com diretores, críticos e pessoas na rua sobre a primeira vez que assistiram a "Psicose", qual foi a reação mais comum?
SKERRY - A maioria teve a mesma reação que tive. As mulheres, principalmente, ficaram com medo de tomar banho de chuveiro. Janet Leigh, a estrela do filme, afirmou --e acredito nela-- que nunca mais tomou banho de chuveiro após ter feito "Psicose".

FOLHA - Por que analisar um filme a partir de uma única cena?
SKERRY - Meu plano original era compreender melhor o caminho pelo qual Hitchcock utilizou seu conceito de "cinema puro" nos filmes dos anos 1950.

Mas acabei me concentrando nesse filme e nessa cena enquanto eu fazia a pesquisa. Muitos livros começam com um dado tipo de estudo, mas acabam se transformando em outra coisa. Foi o que aconteceu com meu livro.

FOLHA - "Psicose" foi sucesso de bilheteria, o maior da carreira de Hitchcock. Que jogo o diretor inglês quis estabelecer com o público?
SKERRY - Hitchcock estava sempre muito consciente sobre seu público. Sabia como envolvê-lo na história e nos personagens de um filme.

Sobre "Psicose", ele sempre declarou que o estava fazendo como uma espécie de brincadeira, para assustar o público, como uma montanha-russa.

FOLHA - A cena em que Norman Bates (Anthony Perkins) limpa o banheiro após o assassinato de Marion reorganiza, por assim dizer, a história contada pelo filme?
SKERRY - Como explica o roteirista de "Psicose", Joseph Stefano, o público transfere sua fidelidade para Norman desde que Marion Crane não está mais no filme. Para que a obra trabalhe como suspense, o público deve ter um personagem "substituto" para engajá-lo.

FOLHA - A mistura envolvente entre erotismo e violência ajuda a realçar o medo?
SKERRY - Sim, definitivamente. O sexo e a violência tinham sido firmemente controlados pelo código da produção [no cinema], com o público vendo certas imagens "proibidas" para intensificar o medo _e a culpa por estarem vendo e "apreciando" o que viam.

FOLHA - "Psicose" é uma adaptação do romance homônimo de Robert Bloch, que se inspirou, por sua vez, em um crime real ocorrido nos EUA. Que detalhes Hitchcock alterou ao recriar a história no cinema?
SKERRY - No romance, Norman Bates é gordo, sem atrativos, um homem de meia-idade que é o foco principal durante o enredo. Stefano e Hitchcock o tornam jovem, "ingênuo", um personagem amigável.

FOLHA - Quando fizeram o filme, a atriz Janet Leigh, o roteirista Joseph Stefano e o diretor-assistente Hilton Green sabiam que se tratava de uma obra que iria além do já então famoso suspense hitchcockiano?
SKERRY - Todos os meus entrevistados pareciam entender que estavam comprometidos com alguma coisa bastante diversa de qualquer outra que tinham feito antes.

Mas acho que não sabiam o quanto "Psicose" se tornaria realmente realmente revolucionário.

FOLHA - A trilha sonora de Bernard Herrmann contribuiu para imortalizar o filme?
SKERRY - Não há dúvida de que ela acrescentou algo imensurável ao filme. Uma falha de meu livro é não ter discutido a música em profundidade.

FOLHA - Sob o pano de fundo dos anos 1960, "Psicose" pode ser considerado um filme experimental produzido em Hollywood?
SKERRY - Sim, certamente. Quanto mais distante no tempo estamos, mais entendemos o quanto "Psicose" foi um filme experimental.

FOLHA - Quais foram as principais influências literárias e cinematográficas na obra de Hitchcock?
SKERRY - Hitchcock foi fortemente influenciado pelo trabalho do escritor americano Edgar Allan Poe [1809-49].

Certamente, o cinema expressionista alemão o influenciou na direção. Já o realismo socialista soviético e o estilo americano de estúdio o influenciaram na montagem

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