sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Anno Zero - Trilhos

Parte 01 –  Trilhos

Quando era jovem apenas pensava em fugir de minha vida, sair aos largos passos no mundo, correr seus horizontes, suas fronteiras, conhecer tudo aquilo que se esconde no outro lado da imensidão. Presenciar o raiar do sol em um dia de montanha, outro no prumo da maré, quiçá de montanha e maré no mesmo momento, porque não?
Na juventude brincava...  Desenhava com os dedos os cumes das montanhas que queria saltar com minha imaginação ainda perene.
Desse desejo juvenil tornei-me maquinista;  maquinista desses que apertava a sirene para as crianças sonhadoras  que passavam rápido gritando ao redor da locomotiva veloz. Trazia um pouco de som e fúria, para aqueles, que como eu, um dia correram atrás das vagas de ar deixadas pela maquinaria de som infernal.
Nesses trilhos fluiu a vida e também a morte
Amigos, amores, anseios, lágrimas e sorrisos... Continuava  cobiçando chegar mais longe, cruzando  cada ponte, poste, morro e rio... Tudo aquilo que transpusesse meu caminho entre as estrelas que brilhavam noite adentro, ou o sol brilhante que cegava meus olhos nos dias de verão, ou ainda a brisa fresca das manhãs invernais... Eu que cortava de levinho a névoa espessa, passando como faca, sem pedir licença...
Eu tinha muita pressa...  


Parte dois – Vida e morte

A maquina como funcionamento de um corpo mecânico, rangia os metais, expirava fumaça.
A lenha bruta suspirando e soltando seus óleos essenciais.  O fumo perfurava o horizonte, pintando de branco e cinza o azul celeste  dia após dia, faíscas em uma caldeira em chamas.
infernais ou celestiais,  logicamente dependendo de que lado da caldeira se estava.
Maquina bruta resfolegando, trazendo novidades, pessoas, tristezas e alegrias, uma vilegiatura constante de vai e vem.
O tempo passava modorrento,
As folhas caídas, a poeira assentando ao longe,
A vida passando rápido,
Pela janela via apenas
... O suspiro do vento...
Corra maquina infernal...  Traga-nos as novas...  Seu ruído de gigante cansado, de fera faminta. A fome é tão sua como nossa.
Febril, urgente,  sacie-nos  logo, nosso tempo é escasso , e ele cobra seu preço
Ande mais rápido, que ardam as madeiras... Vomite o fumo nesse céu escuro, faça ranger esses trilhos, estalar os dormentes, que saltem as balizas... Nosso tempo se esvai como uma tempestade sazonal

Parte 3 -  Epílogo

Me perdi no tempo , perdi a hora, perdi os trilhos
Minha vida fluiu rápido nos rastros da fumaça deixada pra trás
Estava já cansado, velho demais para novos horizontes.
Abandonei as maquinas, o barulho, o sol e a névoa.
Tinha ido além das montanhas que havia desenhado quando criança.
Os jovens já não corriam mais atrás das vagas de ar, já não se instigavam com a sirene.
Meu tempo havia passado, em um volteio tão rápido como o horizonte pelas janelas laterais.
Desse longo trilho,
Que levou minha mocidade,
Hoje, como alma morta
Guardo apenas lembranças
De todos os desejos

E de minha liberdade...


Cleiner Micceno - Iperó Setembro /2014

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