Sexta feira treze costumava ser um dia de boa sorte pra mim,
até aquela em que Constantin tinha passado para uma visita com uma vadia nova,
daquelas loiras oxigenadas e esguias como um golfinho. Parecia mais uma noite
igual a tantas outras, e ela igual a tantos outros golfinhos do Constantin.
- Como vai George? Quero que você conheça minha amiga Alva,
ela é uma mulher incrível! Constantin
dizia isso de todas as amigas que me apresentava na primeira vez, o problema
que a “mulher incrível” se tornava sempre ”maluca desequilibrada” em
pouquíssimo tempo. Ele era um bastião de estabilidade; lógico.
- Como vai Constant? Ao que devo a honra dessa visita tão
ilustre; em plena madrugada?
- Porra cara, preciso
de uma ajuda sua e você não pode me dizer não!
Agora um aparte sobre Constantin, sempre que ele estava enrascado
vinha com essa conversa mole, na maioria das vezes eu sempre conseguia me
esquivar; devia ter feito isso também nessa porra dessa noite. Mas como DEVIA,
no particípio passado não me ajuda agora, não faz diferença...
- Manda lá Constant, qual foi a merda dessa vez? Falei de
forma meio entediada. - Entrem, não reparem a bagunça, andei brigando com umas garrafas
ontem, e pelo estado da sala... Vocês notam que eu perdi. Enquanto eu falava,
fazia certa posição de mesura para o “Casal Real” que adentrava os pórticos do
castelo de Lord Jim Beam. Fechei a porta atrás de mim e acendi um ultimo
cigarro que tinha no maço, que amassei e joguei em um canto qualquer. Já peguei
outro maço em uma gaveta, a noite iria ser longa pelo jeito.
O casal de pombinhos vira latas, sentaram em um espaço
aberto entre as latas de cerveja e garrafas de whisky no canto do sofá, que um dia foi vermelho.
- E a dama não fala nada? Nem ouvi sua voz melodiosa ainda Boneca...
Alva fixou seus olhos esmeralda em mim, e só soltou um
resmungo que parecia mais um rosnar, algo que parecia um “oi” ou algo assim. Nem
todas as mulheres gostam de ser chamadas de boneca, acho eu. Mas como ela não
se dignou a dizer mais nada, voltei-me para o “Boneco”, Constantin.
- E você “Boneco”? Desembucha... O que tá rolando? Não foi
para uma trepada rápida que você veio aqui com sua querida Alva.
Constantin já começou a falar sem muitas delongas.
- Seguinte George, minha linda Alva aqui tem um pequeno
problema, preciso ir pegar um dinheiro dela que tá com um espertalhão, um
sujeito que ela saia antes... E agora a gente tá precisando de uma grana aí... E
queria sua ajuda pra ir lá cobrar o cara, sabe como é... Dois caras... Sempre
causam uma melhor impressão...
-Cacete Constant, você quer que eu saia de casa, de
madrugada, para ir atrás de uma porra de um cafetão? Falei isso olhando
na cara da querida Alva, que desviou os olhos verdes de mim. É tão bom quando
as pessoas necessitadas são simpáticas...
- Não é bem isso Georgie... Disse Constantin com uma voz
conciliadora.
- Pronto já começou a putaria! Odeio que me chamem de
Georgie, e você sabe disso! Pra começar, Georgie é a puta velha que te pariu,
eu devia desconfiar... Quando você passa essas horas aqui, é sempre uma merda como essa. Falei puto da vida.
- Porra George – Já
com uma cara de cão sem dono, continuou Constantin . – É que você é meu único
amigo... Que posso contar... E logicamente não vou te deixar na mão, esse
dinheiro Alva já dava por perdido, se você nos ajudar a recuperá-lo...
Constantin olhou rapidamente para Alva que estava de cabeça baixa. Metade é
sua, meio a meio, sem discussão.
Uma merda quando se fala em dinheiro, isso embota seu
instinto que te sussurra nos ouvidos que é furada. Aquela música do tilintar
das moedas fala mais alto, encobrindo qualquer outro som.
- Bem, agora estamos conversando melhor, mas de quanto
exatamente estamos falando? Perguntei desconfiado, enquanto procurava algum
resto de bebida em algumas das garrafas espalhadas pelo chão.
- Cinco milhas. Disse Constantin, olhando pra cara de Alva
que mantinha a cabeça baixada.
- Cinco milhas? Trabalhou bastante hein Boneca. Falei de uma
forma bastante entediada. – Mas e ai, tá muito fácil isso, desembucha ai
Constant, você vai me dar duas e meia, só pra te acompanhar? Qual é a jogada?
Tem merda ai...
- Tem não, te garanto, só queremos recuperar algo que tá lá,
melhor garantir metade de tudo que tudo de nada, não é? Você não tem nada a
perder, só ir lá, fazer cara de mau e pronto. Esse cara só se faz de valente
com a mulherada...
- Sei não, tá muito fácil isso. Esse cara deve ter mais
gente trabalhando pra ele... Disse desconfiado, enquanto tentava sorver as
ultimas gotas de uma garrafa que tinha um gole no fundo.
- Não, o cara trabalha sozinho, segundo a Alva, ele guarda a
grana em um Buda, que fica no quarto dele, o cara é um Speedfreak, paranoico,
não confia em ninguém, então é limpeza, te garanto. Disse Constantin com
ênfase.
- Porra Tintin, nem sei por que acredito em você. Bem; vamos
lá ver o que dá, mas se o filho da puta esquentar, você que se vire, só vou pra
fazer peso.
- Na boa cara, é uma grana fácil, te garanto.
- Foi fácil pra você Boneca? Olhei de forma sacana para
Alva, que me fuzilou com um olhar de poucos amigos.
Saímos na lata de sardinha de Constantin, descemos a quinta
com vigésima terceira, fomos parar em um edifício caindo aos pedaços. Alva
desceu primeiro, olhou a rua, não viu ninguém, fez um sinal e nós descemos.
Subimos alguns lances de escadas e entramos em um corredor infecto, apartamento
666, um deles escrito com caneta, achei bastante apropriado para aquele inferno de lugar. Alva bateu na
porta, ficamos escondidos em um canto qualquer na penumbra. Mais batidas,
ninguém atendeu. Eu já estava pronto pra ir embora, Constantin se adiantou, foi
até a porta e nem precisou forçar, a porra da porta estava só encostada. O
rangido das dobradiças ecoou em todo corredor. Mesmo com o barulho, não vi
nenhum vizinho por a cabeça pra fora para averiguar. Privacidade deve ser algo sagrado nesse ambiente
de alta classe.
Constantin entrou primeiro, Alva o seguiu, eu esperei uns
segundos do lado de fora, acendi um cigarro, olhei para os lados; nenhum
barulho, nenhum movimento, parecia uma catacumba. Entrei devagar, afastei uns
pedaços de pizza rançosa que estavam no chão. Estava tudo escuro, vi uma luz
tênue saindo de um cômodo, era o quarto. Vi os dois vultos, que remexiam nas
coisas, entrei devagar e falei quase sussurrando.
- E ai, vamos embora logo seus putos, isso aqui tá cheirando
encrenca...
- Pare de ser cagão George, temos que achar o maldito Buda
recheado de verdinhas...
- Costumava ficar por aqui, do lado da cama, não está! Não
está em lugar nenhum, porra! Rosnou a dama que mostrou toda sua classe e
desenvoltura com palavras.
O apartamento estava bastante desarrumado, algumas seringas,
copos e garrafas estavam espalhados ali, pelo jeito havia festas constantes
naquele maravilhoso palacete.
-Nada! Falou com certo pesar, um desconsolado Constantin.
- Deixe essa merda pra lá, vamos embora dessa pocilga, esse
puto provavelmente enfiou esse Buda no cu.
- Não pode ser, estava tudo aqui, deve ter colocado em outro
lugar, pare de ficar falando merda ai e ajuda a procurar essa porra! Rosnou de
novo a Dama das Camélias.
Fui dar uma olhada na
sala, ver se achava algum Buda, ou qualquer divindade monetária.
Esgueirei-me pela sujeira do apartamento, vi uma porta
entreaberta, fui até lá para checar. Era o banheiro, abri com cuidado, vi um
vulto esquálido na penumbra, puxei uma faca que estava no meu blusão, empurrei
a porta em um supetão e acendi a luz de um estalo. Peguei um cigarro e chamei
os dois patetas.
- Achei seu corretor Boneca. Falei com uma voz moderada
virando levemente minha cabeça para a direção dos dois, enquanto acendia o
cigarro.
Os dois entram rapidamente no banheiro, que ficou apertado
de repente.
- É esse ai seu querido cafetão? Perguntei
- É ele mesmo, filho de uma puta! A dama responde com um
ódio.
Constantin ficou com sua cara de espantalho, sem dizer uma
palavra. O corpo do infeliz estava enroscado na banheira, meio em pé meio
sentado, com uma faca encravada na garganta, alguém já tinha dado uma passada
amigável antes de nós no apartamento, que deveria ser muito bem frequentado.
- Merda! Merda! Merda!
Finalmente disse Constantin. – O que faremos agora? Estamos fodidos!
- O que vocês vão fazer agora? Eu vou cair fora! Falei
decidido.
- George, nem a pau você vai embora, precisamos
sumir daqui com esse corpo... Disse Alva com um tom levemente desesperado.
- Vamos só sumir daqui, que se foda, alguém vai achar ele
ai, e pronto... Falei quase que automaticamente. - Quem se importa com um
cafetão? E afinal, ninguém nos viu entrar aqui, a polícia nem vai perder tempo
em saber quem foi que apagou esse desgraçado. Eu e Constantin fizemos menção de sair, e fomos impedidos por Alva
- Não é tão simples. Abriu a boca, a querida Alva, com boas
noticias. - Esse merda tava com uma parada muito mais séria guardada aqui, a
grana do Buda não era nada. Ele tinha alguns quilos de coca debaixo da cama e adivinha
de quem era? De uns policiais que apreendem e deixavam com ele pra vender.
-Hã !? Falamos quase juntos eu e Constantin
- E isso é só a ponta de uma montanha de merda... Continuou
ela – Toda semana passam pra pegar o
deles, é um lance de muita grana. Eu cheguei ver aqui meia dúzia de sacos
de coca há menos de dois dias. E alguém levou tudo...
- Sua puta desgraçada!
você sabia disso seu filho da puta? Falei me contendo pra não gritar com
Constantin.
- Não sabia de nada, juro só sabia das cinco milhas te
juro... Senão nem teria chegado perto daqui com essa vagabunda...
- Seus idiotas, eu só vim pela minha grana, que era minha de
direito, só iria pegar e ir embora! Ele que se fodesse com as drogas... falou a
boneca em um sussurro áspero .
- E se esse porra tivesse vivo? Teria cravado a gente de
chumbo sua vaca... Ainda me contendo pra não gritar.
- Isso eu sei que não, ele era um porra de um cagão, só
fazia isso porque tinha as costas quentes com os porcos, ele nem usava arma... Só tinha uma navalha, mas morria de medo de
usar... Mas isso nem vem ao caso, esses porcos não vão deixar barato, vão atrás
de quem eles acham que está a mercadoria... E vão chegar na gente. Alva falava como uma entendida da alma
humana.
- Eu sabia que ia dar merda, e oque você sugere gênio do
crime? Perguntei sem muita vontade.
- Enrola ele na porra da cortina do box, e colocamos ele no
porta malas, desovamos ele longe daqui,
sumimos com o corpo, vão achar que ele simplesmente fugiu com o
lance todo. Sei lá, ele era um escroque, eles vão procura-lo por algum tempo e
depois vão achar que ele já atravessou a fronteira e a vida continua. Mas, se
eles acharem o corpo aqui, vão nos caçar como cães do inferno. Vamos dar uma
pista falsa para eles seguirem, e pronto nem vai passar pela cabeça deles que
alguém apagou o traste. Disse a genial
Alva.
- Que plano genial! E ninguém vai notar a gente saindo com
essa merda de defunto daqui? Nenhuma puta vai dar falta dele? Perguntei já sem
paciência, Constantin estava agachado com as mãos na cabeça, acho que pensando
em sua maravilhosa noite com seu golfinho rosado.
- Ninguém vai dar falta dele até segunda, acredite. Se
formos rápidos e discretos, ninguém vai nem notar nossa presença, tem um motivo
para os porcos virem nessa merda deixar a mercadoria, aqui todos são
invisíveis...
Dei um chute em Constantin, o fiz levantar e começar a embrulhar
o presunto, que estava com metade do corpo na banheira, o que facilitou
enrola-lo e limpar a sujeira do
sangue que vazou todo pelo ralo e respingou somente no
box, tiramos o corpo já pronto pra entrega, colocamos na sala enquanto alva
jogava agua na banheira tirando os vestígios de sangue da melhor forma
possível. Fui checar o corredor, ainda vazio, sem nenhum sinal de vida, só o
barulho de uma lâmpada que ficava piscando
de forma intermitente. Fiz um sinal com a cabeça, eles vieram com o
embrulho, sorte, se é que se pode chamar de sorte, que o cadáver escorreu todo
sangue que tinha; o que não devia ser muito; na banheira. O cara acertou bem na jugular, uma facada certeira,
coisa de profissional. Alguém veio retomar
algo que os canas tinham aliviado nas ruas. Chegaram no bode expiatório, o
apagaram, e com certeza o bode logo será
trocado por outro e depois por outro, esse é um mundo cão. Não dá pra confiar
em ninguém.
Assim que ganhamos o corredor, Alva fechou a porta, trancou
com a chave, que estava em cima da mesa, para dar impressão que o lance foi uma
fuga planejada pelo rato viciado, que se rebelou contra a ratoeira. Guardou as
chaves no meio dos seios e saiu na frente, seguimos com o peru congelado,
descendo rapidamente pelos lances de
escada, ninguém, nem um movimento estranho por todo percurso até o carro.
Jogamos o corpo no porta-malas e arrancamos a toda com a lata velha de
Constantin, que permanecia mudo.
Seguimos por algumas dúzias de ruas estreitas e escuras, pegamos os bairros
mais pobres até a saída da cidade. Seguimos pela oeste até uma rodovia que
sairia em uma antiga escavação de minério de ferro, que agora estava inundada,
havia até maquinários inteiros da antiga mina afundados lá, um lugar fundo,
muito fundo, o melhor lugar para desovar um corpo de um bosta.
Desembrulhamos o presunto, recheamos o embrulho com pedras,
voltamos a enrolar tudo, e amarramos com uma corda que estava no carro, o
defunto parecia um baseado gigante. Puxamos aquela merda que agora pesava uma
tonelada, jogamos o pacote de ponta, sob
a luz do amanhecer ,que começava despontar no horizonte. O vimos indo a pique
como um Titanic macabro. Acendi um cigarro. Olhei para a face patética dos
dois, Constantin em pé encostado na
beirada da porta e Alva sentada no banco
de trás desmaiada de cansaço, com o batom borrado dormindo de boca aberta. Eu
também devia estar com uma cara dessas.
Constantin veio e sentou-se ao meu lado, com uma cara
desolada me disse:
- Obrigado por hoje Georgie... Desculpe por ter te colocado
nessa. Pela primeira vez vi uma cara humana
em Constantin , nem liguei de ele ter me chamado de Georgie. - Foi uma
noite difícil. Ele completou.
- Deixa pra lá, amigos são para isso, até para ocultar cadáveres...
E quanto a Alva? Perguntei meneando a cabeça em direção a ela dormindo no
carro.
- Porra George, é uma maluca desequilibrada!
Escrito por Cleiner Micceno
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