terça-feira, 27 de março de 2012

Monólogos internos

Dedicado a William Burroughs - " A linguagem é um vírus"



Dedos fluem no teclado barato, no serpentear dos dedos saem palavras como insetos que tomam formas monstruosas ao abandonarem  minha mente suja. Noite quente demais, nas paredes cartazes baratos de filmes antigos descolam, das divisórias escorre um suor pegajoso. O ventilador no teto segue birrento, sem muita força. Sons renitentes atravessam minha janela atrapalhando minha linha de raciocínio, desisto de tilintar nas teclas. Pego meu terno puído e meu chapéu de abas curtas, preciso respirar, sentir o ar fresco dessa noite imunda.  Saio porta a fora, tossindo meus pulmões que já não são mais os mesmos.  Acendo mais um cigarro, ergo a gola de meu casaco, mesmo com o  calor sinto calafrios. Observo a noite, está  mais escura que de costume. Os rostos não tem face, vejo insetos e mulheres, propagandas e pastores com suas bocas imundas falando do fim do mundo, mal sabem eles que o inferno é aqui mesmo na imundície de todos os dias. Bêbados chafurdam na lama, nas suas sarjetas de restos humanos sem perspectiva. Perspectiva é algo que o dia pauta de manhã e retira à noite junto com o tic-tac rápido dos relógios de ponto.  Pedaços de jornais voam em uma ascendente, levam juntos de si a sordidez das noticias forjadas, da pretensão de opiniões vazias e pautas, agora silenciadas pelo calor da noite e pelo vento brando, paginas sem valor, com prazo mais curto que a vida feliz dos comerciais de margarina. Respiro a fumaça dos escapamentos e regurgito meus pensamentos distorcidos. Sem caminho definido, todos são ruins na mesma proporção, sigo as setas, as luzes e o burburinho constante, meus olhos perderam o brilho morno da infância, só ganharam a sobriedade embaçada da velhice em um corpo ainda jovem. Sinto-me cansado, mas meus pés insistem em caminhar em frente, como se fossem autômatos. Sigo em linha reta.  Em meu percurso cruzo com vários andarilhos, como eu mesmo, com pensamentos confusos sobre a ofensa de se estar vivo. Olho os bolsos, tenho apenas o bastante para uma dose de brandy barato, talvez duas. Cada dose desce rápido, um alento cáustico para amortizar minha existência. As ruas me chamam, é uma longa jornada de volta. Pego outro caminho, não quero ver a reprise de meus passos. De volta ao quarto de cartazes desbotados e paredes úmidas, não tenho mais o sons que invadiam meu silêncio, mas, em toda quietude residente, meus pensamentos falham, as teclas silenciaram, o papel desertou de sua lavra. Minhas mãos recolheram suas presas, o único veneno que restou  está entranhado em minha própria alma...    

escrito por Cleiner Micceno