segunda-feira, 18 de abril de 2011

somersault blues



Ela bateu à porta, quis entrar a base de facadas.
Corroeu os sentimentos, desfez a delicadeza, empunhou a arma e atirou nos pés.
Se julgou usada, mas tinha usado seu pior sorriso
Os dentes amarelados de uma caveira velha escondiam as obturações dos seus sentimentos.
Queria flores e dava estocadas em troca. Queria rosas para enfeitar seu próprio caixão que ela mesmo velava.
Gritou, ficou rouca e emudeceu, suas palavras estavam em um tom alto demais, desagradável demais, os ouvidos ensurdeceram nos primeiros berros, sangraram no decorrer dos dias.
A menina era pura, intocada, inerte e imatura, sua imaturidade venceu a pureza e a pureza se perdeu na lama.
Uma nota em  sustenido rosnou na cabeça, um blues dissonante, de um choro  que se prendeu tempo demais na garganta errada.
Quando se cultiva ervas daninhas, mesmo que delas nasçam flores elas serão uma praga.
Obsessiva em possessão do momento, perdeu a hora, perdeu o dia, perdeu o que tinha e não ganhou nada a não ser sua própria porta sendo fechada em sua cara.
Se entregou ao primeiro que soube utilizar seu sofrimento contra ela mesma.
Caiu na lábia falsa, se entregou por ódio, raiva e motivos errados.
Sua aparente felicidade, guarda no seu mais profundo ser, a tristeza de uma centena de vidas.
Emula sentimentos que não são seus, por pessoas que não são elas.
Destroços, frases ríspidas, gênio ruim e medíocre, simplicidade falsa, orgulho escondido mas latente.
Nega, mas adora sofrer, se excita com a  foice a chibata, se estimula com a possibilidade da humilhação. Retorce-se de prazer com o sofrimento, solta suspiros que mesclam choro e deleite.
Sua língua beija a boca do anjo, pensando no demônio.
Suas vestes brancas já estão pardacentas, da lama que ela mesma se impôs.
Os sinos bateram, a morte chegou perto, de sobressalto em sobressalto, de tristeza em tristeza sua mentira fere o próprio coração que cai em pedaços e em cada pedaço nasce uma chaga púrpura, que brilha diretamente em seus olhos, cegando-a e destruindo o que restou de seus  sentimentos .
Está sendo punida por seus próprios méritos.
E o blues é a única coisa q toca-lhe a alma

por cleiner micceno 

terça-feira, 5 de abril de 2011

Balada sangrenta. BEAT de uma nota só


Os canos de descarga dos carros lançavam tufos de fumaça na noite lamacenta, homens moribundos cambaleavam nas esquinas depois da maratona de botequins sujos e boates pouco recomendáveis, o neon desbotava a calçada cheia de manchas, putas , cafetões e traficantes baratos. O dinheiro escorria pelo esgoto, pelas veias dos viciados e pela gonorreia social. Nas buzinas a sinfonia noturna seguia seu caminho desesperado. Viam-se ao longe apenas espectros que outrora foram humanos, um solo de sax vazava de uma casa noturna, as notas caiam nas ruas como uma chuva fina de inverno, era só seguir a névoa feita pela fumaça dos cigarros e dos charutos baratos, comprados por dez pratas a dúzia. Um tiro era ouvido aumentando a sinfonia da urbe, era apenas mais sangue que escorria pelos becos, inundando os gatos mortos e os restos de mendigos esquecidos pela vida. Uma puta gritava ao longe. Sirenes cortavam a noite como uma faca afiada, os neons eram substituídos pelo giroflex bem menos glamoroso, mas tão decadente quanto. O letreiro de um sex shop piscava de forma irregular, espantando as mariposas que queriam se esconder. Nem a mortalha, as luzes ou a deterioração faziam o giro constante dos motores cessarem, como se o mundo fosse continuar em um moto perpétuo de degradação e loucura sempre no fio da navalha até as ultimas consequências. O barulho das garrafas que rolavam pelo chão batendo nos sapatos dos velhos carcomidos são apenas restos de vida, em ambos os lados. Os metrôs e os trens recomeçavam sua marcha frenética, os supostos homens de bem se desentocavam para mais uma manhã radiante, partindo de forma maquinal para sua marcha de morte. Os seres noturnos se recolhiam, se entocavam e entravam na sua hibernação foto fóbica á espera da próxima lua que ficava escondida pela fumaça e pelo alcatrão. Mais uma esperança de um gole que sobrava sempre no fundo do poço, e mais e mais brindes se levantavam em honra de coisa nenhuma. E uma chuva fina de notas musicais caía sobre a cidade assim que o dia terminava, e os canos de descarga dos carros lançavam tufos de fumaça na noite lamacenta...
Escrito por Cleiner Micceno